terça-feira, abril 17, 2007

"Personalidades": Valentim Loureiro, Alberto João Jardim e Jorge Coelho

Alguns políticos portugueses construíram para si personalidades que lhes permitem ser avaliados e verem as suas opiniões escrutinadas pela opinião pública (talvez seja mais correcto dizer, pela opinião publicada) de modo muito particular, com condescendência e bonomia. Têm, por assim dizer, direito a alguma indulgência e aquilo que dito ou protagonizado por outros seria avaliado pelos padrões comuns, no seu caso tem direito a ser considerado em função e de acordo com as especificidades desse perfil, da “marca” que para si construíram. Nada de muito grave, poderíamos concluir, não fosse o caso de isso lhes conceder um estatuto especial e privilegiado, quase como se tratasse de uma casta, uma aristocracia “às avessas” que corresponde a baixos padrões éticos e não a um comportamento de excelência.

Três exemplos. O comportamento grosseiro e rufia de Valentim Loureiro - cujos problemas com a justiça, civil ou militar, não são de hoje - a notória falta de educação que constitui sobrepor o seu tom de voz a todos os outros, interrompendo-os – e assim seria considerado se assumido por qualquer outro – é muitas vezes assumido como voluntarismo, como marca distintiva de empreendorismo, de alguém que é uma força da natureza na sua vontade de “realizar”, de não se deixar vencer. Como símbolo de quem não se deixa abater, de uma vontade indómita que até terá levado o seu clube a campeão nacional.

Já em outro desses exemplos, o de Alberto João Jardim, o seu verbo desabrido, por vezes (muitas) mesmo brejeiro e denunciando as alegrias e descontracção que o álcool contribui para libertar, é significado de proximidade com o povo, de intimidade com quem o considera “um deles” e não se revê nos “mouros” lá do “contenente”. É, no fundo, reflexo de comunhão com os seus, ou com aqueles que o próprio Jardim tenta erradamente apresentar como sendo seus iguais, no fundo desvalorizando-os. Por vezes, também, é visto como se fosse senhor de uma irresponsabilidade desculpável, um pouco como o “bobo”, o tonto da aldeia a quem quase tudo é permitido na medida em que isso contribua para nos divertir sem, no essencial, pôr quase nada em causa.

Por último, Jorge Coelho. Os seus discursos de uma demagogia eivada do mais rasteiro populismo, a sua aparente impreparação intelectual e déficit de cosmopolitismo quando comparados com os seus parceiros de debate, são interpretados como reflexo da sua proximidade e intimidade com as bases do partido, com o Portugal mais profundo onde tem a sua influência o que lhe concede o “dom” da capacidade mobilizadora das massas. Enfim, são considerados como o elemento positivo indispensável ao controle do aparelho, como se esse fosse constituído por uma massa acéfala só assim despertada e controlável. Por fim, a sua tantas vezes falta de pensamento próprio, de autonomia crítica, é apenas considerada como lealdade, quase sendo considerado como o guardião do Santo Graal partidário.

São análises erróneas, oriundas da nossa tradicional falta de rigor e de exigência e da condescendência para com a mediocridade. Do medo do confronto. Do debate ligeiro e superficial e da menorização da política e da estratégia. São, simultaneamente, sintomas e factores potenciadores do nosso atraso.

2 comentários:

Eurydice disse...

Essa impunidade, essa não-penalização, esse estado de graça sempre me intrigaram, ou mesmo me irritaram.
É um fenómeno estranhíssimo, que suponho ter a ver com a substituição das pessoas por uma imagem, um ícone. Mas o FACTOR que permite essa transmutação é que me escapa! Qual será a poção mágica que torna os cidadãos incapazes de avaliar lucidamente esses compatriotas caceteiros, poupando-os a juízos de valor em nome dos quais muitos outros foram crucificados por muito menos?

JC disse...

Muito bem! Muito bom comentário. Parabéns.