O 25 de Abril foi um projecto de modernidade. De tornar Portugal uma sociedade mais aberta e cosmopolita, mais urbana e menos rural, mais laica, mais próxima da Europa, em ideias e vivências (mas também dos USA), e mais afastada dos valores decadentes do último império colonial. Mais letrada e menos segregacionista e segregada do mundo. De maior liberdade individual e colectiva e de cidadania acrescida. De maior espírito de iniciativa. De maior responsabilidade de cada um e de menor tutela dos Estado e das instituições. Da maior solidariedade que a própria liberdade pressupõe e da maior coesão a que se obriga. De maior tolerância às ideias e aceitação de modos de vida vários. Acho também que de menores preconceitos.
Para a minha geração, nos últimos anos da adolescência e início da idade adulta em 1974, e para a o grupo social em que me inseria (burguês, urbano, cosmopolita, uma vida confortável e futuro mais ou menos garantido se não preguiçasse ou “asneirasse” demasiado) o antagonismo e contestação para com o regime nasce, fundamentalmente, dessa ausência de modernidade que o esse mesmo regime “oferecia”. Nuns anos sessenta e setenta de ruptura de ideias, ideais e valores, de formas e modos de vida, a ditadura negava-nos a participação nessa aventura que, aos soluços e pelas frestas, lá nos ia chegando da Grã-Bretanha, dos USA e também de França. A uma década de luta contra a guerra do Vietnam, do Maio de 68, do movimento Hippie e do LSD, da swinging London ou da marcha sobre Washington, o regime contrapunha a guerra colonial, a segregação sexual nas escolas, a imposição de valores e comportamentos sociais e culturais (até na música!) herdados de antes da WWII e que já não eram os nossos. Impunha-nos os filmes que podíamos ver (com “cortes” ou sem eles), a música que podíamos publicamente ouvir, os livros que podíamos comprar, os concertos a que (não) podíamos assistir e o modo como nos devíamos comportar. Por último, proibia ou dificultava as nossas idas ao estrangeiro antes da “tropa” e até nos sonegava alguns cursos que gostaríamos de tirar - principalmente aqueles que se situavam no campo das ciências sociais, pois claro. Por isso, para muitos de nós o 25 de Abril foi tudo o que não tínhamos tido fruído de uma só vez e de um só gole, e foi assim que o vivemos: foi o Maio de 68 e Woodstock, a marcha sobre Washington e o rock & roll e os swinging sixties, a rive gauche e a “libertação”, tudo temperado com uns “pózinhos” de revolução de Outubro. Foi o nosso tempo, não de sermos “rebels without a cause” mas de utopias e causas várias, muitas vezes vivido do lado errado, como saudavelmente seria de esperar e de louvar.
Talvez por isso estremeço quando vejo o PCP (hoje em dia talvez o partido onde menos reconheço qualquer resquício de modernidade e abertura) apoderar-se da iconografia do 25 de Abril e usá-la em seu proveito. Quando os vejo “afunilar”, sectariamente, os valores e ideias que estiveram na base da revolução e das suas tantas vivências, afastando os muitos que, nesse período, de muitas e várias formas e modos, hoje à esquerda ou à direita, nele reconheceram uma das suas “melhores horas”. Por isso apenas reconheço no desfile que todos os anos desce a Avenida da Liberdade comemorando (?) este dia, uma manifestação de um passadismo retrógrado, nos antípodas da modernidade e do futuro que foi Abril, dirigido e apropriado por um partido defensor de regimes por onde as ideias e vidas que nos levaram a antagonizar a ditadura de Salazar e Caetano nunca passaram, e eram tanto ou ainda mais antagonizadas do que no Portugal da ditadura. Reconheço o papel do PCP na luta contra a ditadura (embora não tão determinante como o próprio pretende fazer crer), a abnegação e heroísmo inigualáveis de muitos dos seus militantes, mas, felizmente, se a memória histórica molda os nossos valores culturais é com a inovação e a rebeldia que se constrói o futuro.
Para a minha geração, nos últimos anos da adolescência e início da idade adulta em 1974, e para a o grupo social em que me inseria (burguês, urbano, cosmopolita, uma vida confortável e futuro mais ou menos garantido se não preguiçasse ou “asneirasse” demasiado) o antagonismo e contestação para com o regime nasce, fundamentalmente, dessa ausência de modernidade que o esse mesmo regime “oferecia”. Nuns anos sessenta e setenta de ruptura de ideias, ideais e valores, de formas e modos de vida, a ditadura negava-nos a participação nessa aventura que, aos soluços e pelas frestas, lá nos ia chegando da Grã-Bretanha, dos USA e também de França. A uma década de luta contra a guerra do Vietnam, do Maio de 68, do movimento Hippie e do LSD, da swinging London ou da marcha sobre Washington, o regime contrapunha a guerra colonial, a segregação sexual nas escolas, a imposição de valores e comportamentos sociais e culturais (até na música!) herdados de antes da WWII e que já não eram os nossos. Impunha-nos os filmes que podíamos ver (com “cortes” ou sem eles), a música que podíamos publicamente ouvir, os livros que podíamos comprar, os concertos a que (não) podíamos assistir e o modo como nos devíamos comportar. Por último, proibia ou dificultava as nossas idas ao estrangeiro antes da “tropa” e até nos sonegava alguns cursos que gostaríamos de tirar - principalmente aqueles que se situavam no campo das ciências sociais, pois claro. Por isso, para muitos de nós o 25 de Abril foi tudo o que não tínhamos tido fruído de uma só vez e de um só gole, e foi assim que o vivemos: foi o Maio de 68 e Woodstock, a marcha sobre Washington e o rock & roll e os swinging sixties, a rive gauche e a “libertação”, tudo temperado com uns “pózinhos” de revolução de Outubro. Foi o nosso tempo, não de sermos “rebels without a cause” mas de utopias e causas várias, muitas vezes vivido do lado errado, como saudavelmente seria de esperar e de louvar.
Talvez por isso estremeço quando vejo o PCP (hoje em dia talvez o partido onde menos reconheço qualquer resquício de modernidade e abertura) apoderar-se da iconografia do 25 de Abril e usá-la em seu proveito. Quando os vejo “afunilar”, sectariamente, os valores e ideias que estiveram na base da revolução e das suas tantas vivências, afastando os muitos que, nesse período, de muitas e várias formas e modos, hoje à esquerda ou à direita, nele reconheceram uma das suas “melhores horas”. Por isso apenas reconheço no desfile que todos os anos desce a Avenida da Liberdade comemorando (?) este dia, uma manifestação de um passadismo retrógrado, nos antípodas da modernidade e do futuro que foi Abril, dirigido e apropriado por um partido defensor de regimes por onde as ideias e vidas que nos levaram a antagonizar a ditadura de Salazar e Caetano nunca passaram, e eram tanto ou ainda mais antagonizadas do que no Portugal da ditadura. Reconheço o papel do PCP na luta contra a ditadura (embora não tão determinante como o próprio pretende fazer crer), a abnegação e heroísmo inigualáveis de muitos dos seus militantes, mas, felizmente, se a memória histórica molda os nossos valores culturais é com a inovação e a rebeldia que se constrói o futuro.
2 comentários:
Gosto muito desta sua análise. E concordo nalguns pontos.
Ando a juntar contributos para perceber o que se passou e o que se tem passado. :)
Por um motivo não completamente claro para mim, muita coisa que me satisfazia como explicação deixou de me agradar desde há uns tempos...
Cara Castafiore:
Mtº obrigado. As explicações são muitas e várias, davam para vários livros, e eu tive a sorte de nascer numa família onde coexistiam estrangeiros e portugueses, pessoas fiéis ao regime e oposicionistas, liberais e comunistas. Foi uma boa escola...
Mas em minha casa - na altura vivia com os meus pais - abriu-se uma garrafa de champagne ao jantar no dia 25.4.74. Ao mesmo tempo, o pai da minha namorada da altura, depois minha mulher e mãe dos meus filhos, era deputado da Assembleia Nacional da ditadura!!!
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