Sejamos claros: a corrupção está inscrita no código genético da nossa democracia. Pena, mas é assim mesmo.
Todos sabemos, excepto talvez George W. Bush e os seus conselheiros políticos, que nenhuma democracia sobrevive sustentadamente sem uma classe empresarial empreendedora e relativamente autónoma face ao estado, e sem uma classe média relativamente ampla e com um razoável nível de preparação educacional. Aliás, é a maior fragilidade destes elementos que faz com que nos países do sul da Europa as democracias tenham, na generalidade, tido mais dificuldade em se implantar e aprofundar os seus mecanismos e formas de funcionamento. Por sinal, são também estes os casos, se exceptuarmos as recentes democracias (ou muitas vezes nem isso) emergentes no leste europeu, em que a corrupção mais se instalou nos aparelhos políticos e no Estado, exercendo, de facto, uma influência política por vezes decisiva.
O que se passa em Portugal, a seguir ao 25 de abril de 1974, é que o país tem ainda, apesar do seu crescimento nos anos 60, uma classe média demasiado pequena em número e razoavelmente mal preparada. Depois das nacionalizações dos grandes grupos económicos, vê-se também perante uma classe empresarial em fuga e um tecido económico fragilizado. Após o 25 de Novembro, e se a democracia quer sobreviver nos seus pilares fundamentais, o regime terá de garantir não só um forte crescimento da classe média como enfrentar a necessidade de reconstituição de uma classe empreendedora dinâmica e de um tecido empresarial que o suporte. A adesão à então CEE é um elemento chave nessa estratégia, mas, num primeiro momento, os dois objectivos mencionados serão preferencialmente centrados, no caso do crescimento da classe média, num aumento progressivo do número de servidores do Estado e no desenvolvimento de uma pequena burguesia empreendedora “de província” ligada aos negócios autárquicos; no caso do empresariado, voltado a norte por questões conjunturais, pelo desenvolvimento das indústrias de exportação e das actividades de distribuição, sempre com apoio e protecção estatal acentuados. Para que isto se realize e o objectivo seja alcançado rapidamente, o estado e os governos, a nível nacional e local, terão, na maior parte das vezes, de “fechar os olhos” a actividades menos lícitas ou até pouco legais; outras vezes, mesmo, assumindo uma neutralidade “activa” ou até uma actuação, em menor ou maior grau, colaborante ou mesmo incentivadora. É aqui que se começam a estabelecer as actuais “redes de interesses” e de “tráfico de influência”, que se vão estendendo, aprofundando e assumindo novos contornos e um carácter qualitativa e quantitativamente mais gravoso e notório a partir de 1986, quando começam a fluir os fundos estruturais e a política de obras públicas se desenvolve. É também este ambiente mais ou menos “facilitador”, que abarca, por necessidade de sobrevivência e fortalecimento do regime, vastos sectores da sociedade portuguesa, que vai alastrando e impregnando um pouco “tudo e todos”, acabando por, em certa medida, se tornar normalidade.
Grande parte destas cumplicidades e “redes de favores”, que incluem de forma activa ou passiva largos sectores do aparelho político e judicial, subsistem ou deixaram sequelas até hoje, quando os objectivos que as determinaram estão em boa parte alcançados e, assim, a corrupção começa a passar de “solução” a “problema”. Mas dificilmente se pode começar a puxar a ponta do vestido sem que este se desfaça e o modelo fique nu, mostrando um corpo feio e com demasiadas rugas que se calhar ninguém quer ver, porque preferimos continuar a imaginá-lo belo. Ou seja, talvez seja necessário limitar o combate à corrupção (ou mantê-lo dentro de certos parâmetros “aceitáveis”) para que o regime sobreviva e respire sem grandes sobressaltos. Até porque sabemos as alternativas não existem ou são dolorosas podendo conduzir a resultados decepcionantes: o exemplo italiano aí está à nossa frente. Essa, e não outra qualquer, será, e utilizando uma expressão que fez história, a principal “força de bloqueio” desse combate. Suprema ironia...
Todos sabemos, excepto talvez George W. Bush e os seus conselheiros políticos, que nenhuma democracia sobrevive sustentadamente sem uma classe empresarial empreendedora e relativamente autónoma face ao estado, e sem uma classe média relativamente ampla e com um razoável nível de preparação educacional. Aliás, é a maior fragilidade destes elementos que faz com que nos países do sul da Europa as democracias tenham, na generalidade, tido mais dificuldade em se implantar e aprofundar os seus mecanismos e formas de funcionamento. Por sinal, são também estes os casos, se exceptuarmos as recentes democracias (ou muitas vezes nem isso) emergentes no leste europeu, em que a corrupção mais se instalou nos aparelhos políticos e no Estado, exercendo, de facto, uma influência política por vezes decisiva.
O que se passa em Portugal, a seguir ao 25 de abril de 1974, é que o país tem ainda, apesar do seu crescimento nos anos 60, uma classe média demasiado pequena em número e razoavelmente mal preparada. Depois das nacionalizações dos grandes grupos económicos, vê-se também perante uma classe empresarial em fuga e um tecido económico fragilizado. Após o 25 de Novembro, e se a democracia quer sobreviver nos seus pilares fundamentais, o regime terá de garantir não só um forte crescimento da classe média como enfrentar a necessidade de reconstituição de uma classe empreendedora dinâmica e de um tecido empresarial que o suporte. A adesão à então CEE é um elemento chave nessa estratégia, mas, num primeiro momento, os dois objectivos mencionados serão preferencialmente centrados, no caso do crescimento da classe média, num aumento progressivo do número de servidores do Estado e no desenvolvimento de uma pequena burguesia empreendedora “de província” ligada aos negócios autárquicos; no caso do empresariado, voltado a norte por questões conjunturais, pelo desenvolvimento das indústrias de exportação e das actividades de distribuição, sempre com apoio e protecção estatal acentuados. Para que isto se realize e o objectivo seja alcançado rapidamente, o estado e os governos, a nível nacional e local, terão, na maior parte das vezes, de “fechar os olhos” a actividades menos lícitas ou até pouco legais; outras vezes, mesmo, assumindo uma neutralidade “activa” ou até uma actuação, em menor ou maior grau, colaborante ou mesmo incentivadora. É aqui que se começam a estabelecer as actuais “redes de interesses” e de “tráfico de influência”, que se vão estendendo, aprofundando e assumindo novos contornos e um carácter qualitativa e quantitativamente mais gravoso e notório a partir de 1986, quando começam a fluir os fundos estruturais e a política de obras públicas se desenvolve. É também este ambiente mais ou menos “facilitador”, que abarca, por necessidade de sobrevivência e fortalecimento do regime, vastos sectores da sociedade portuguesa, que vai alastrando e impregnando um pouco “tudo e todos”, acabando por, em certa medida, se tornar normalidade.
Grande parte destas cumplicidades e “redes de favores”, que incluem de forma activa ou passiva largos sectores do aparelho político e judicial, subsistem ou deixaram sequelas até hoje, quando os objectivos que as determinaram estão em boa parte alcançados e, assim, a corrupção começa a passar de “solução” a “problema”. Mas dificilmente se pode começar a puxar a ponta do vestido sem que este se desfaça e o modelo fique nu, mostrando um corpo feio e com demasiadas rugas que se calhar ninguém quer ver, porque preferimos continuar a imaginá-lo belo. Ou seja, talvez seja necessário limitar o combate à corrupção (ou mantê-lo dentro de certos parâmetros “aceitáveis”) para que o regime sobreviva e respire sem grandes sobressaltos. Até porque sabemos as alternativas não existem ou são dolorosas podendo conduzir a resultados decepcionantes: o exemplo italiano aí está à nossa frente. Essa, e não outra qualquer, será, e utilizando uma expressão que fez história, a principal “força de bloqueio” desse combate. Suprema ironia...
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