A ser interpretada literalmente, a declaração do Governo admitindo, no caso da alienação da RTP (prefiro chamar-lhe assim em vez de privatização), "qualquer solução que reduza custos do Estado" significaria teríamos chegado ao "grau zero" da política, substituída por uma qualquer ordenamento contabilístico no qual os ministérios seriam entregues a uma plêiade de guarda-livros encartados e a chefia do governo a um revisor oficial de contas. Acresce que a RTP não produz parafusos, automóveis ou produtos químicos; nem sequer o objecto da sua actividade é financeiro: produz e difunde informação e entretenimento, que estão nos antípodas do que se poderia considerar politicamente neutro ou irrelevante deste mesmo ponto de vista. Significa isto, portanto, e não sendo eu por princípio contrário à privatização da empresa (entre os poucos bons legados dos governos de Cavaco Silva pode contar-se a abertura do sector à iniciativa privada), que a decisão sobre o futuro da RTP será sempre, mesmo mais do que qualquer outra privatização, uma questão política, essencial para os cidadãos e para o modo como estes se relacionam com a sociedade e com o mundo.
Mas pior... O problema é que sob essa aparente capa de desprezo pela política, tão presente na resposta do gabinete do ministro Relvas e característica dos ditadores de facto ou de quem deles herdou tiques e genes - e também sob esse "piscar de olho" ao populismo mais rasteiro que vê em qualquer despesa pública o dedo de Satanás ou de Al Capone - se esconde uma decisão eminentemente política e, talvez mais do que isso, um negócio com uma qualquer ditadura mais ou menos cleptocrática (rabo mal escondido com o resto do gato de fora) efectuado à sombra do "execrável" e "execrado" Estado. E se todos nós, cidadãos que prezamos a democracia e a livre iniciativa empresarial que lhe está associada, já deveríamos torcer o nariz quando se colocam sectores económicos estratégicos nas mãos de ditaduras que negam esses dois princípios básicos, muito mais nos deveríamos preocupar quando está em causa a liberdade de informar e ser informado. À bon entendeur...
Nota 1: se fossem necessárias provas para definir a natureza da "clique" que se apoderou do PSD, a notícia de ontem sobre o trabalho obrigatório para os beneficiários do RSI, a entrevista de António Borges à TVI e a resposta de hoje do gabinete no ministro Relvas sobre a alienação da RTP seriam mais do que suficientes.
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