As afirmações de hoje do primeiro-ministro sobre o desemprego vão muito para além da "arrogância" ou da "insensibilidade" que têm sido assinaladas. Embora inaceitáveis, tais "arrogância" e "insensibilidade" acabam por ser "apenas" qualificações de ordem moral, quando o que está em causa é político e bem mais grave e profundo: uma visão ideológica do mundo e dos homens que, embora de sinal contrário, radica num conceito que não é assim tão diferente do das ditaduras comunistas quando resolviam enviar dissidentes, burgueses e opositores para reeducação pelo trabalho, junto do povo, na tentativa para moldar o "homem novo". Para Pedro Passos Coelho o desemprego constituiria uma oportunidade/penalização semelhante, digamos que uma reeducação pela ausência de trabalho numa sociedade em que o "executivo" despedido retomaria mais tarde a sua vida "reeducado", fosse a criar o porco ibérico no Alentejo ou frutos silvestres em Sintra. Tal como a operária têxtil desempregada facilmente deixaria o Vale do Ave e iniciaria o seu próprio negócio de limpezas domésticas ou arranjos de roupa em Lisboa, enquanto o ex-empregado de hotelaria algarvio conseguiria arranjar ocupação semelhante no Douro, em Benidorm ou na Côte d'Azur - caso ambos se decidissem a deixar "a sua zona de conforto", claro.
Problema ainda maior é que esta ideia do e para o país não se restringe ao mercado de trabalho e ao emprego, mas, totalitária, ela impregna toda a actividade governativa. E, claro, como acontece em todos os casos em que o radicalismo ideológico assume o comando e a realidade tarda em provar a justeza das ideias, nada como tentar ajustar essa realidade pela violência. Neste caso, a violência da pobreza e da exclusão.
6 comentários:
meu caro Gato Maltês, não posso estar mais em acordo com esta análise.
Dou uma achega apenas para a ausência de tradição, hábitos e sobretudo competências da nossa população activa para esta actividade empreendedora e individualista que condena ainda mais ao fracasso esta já de si inábil visão do "nosso" responsável governativo.
E claro que a condenação ao atraso do país, pobreza e exclusão da nossa população se vão acentuar. Os efeitos em termos sociais e mentais sobre um povo vão sentir-se durante muitos anos, assim como a tendência para o miserabilismo e "triste fado".
Bem mais triste que verificar que esta ideologia volta a ter efeitos práticos em Portugal, sem qualquer reflexão crítica para as suas experiências mais contemporâneas (e devastadoras) noutros pontos do globo, é saber que este governo é legitimado por eleições livres.
Discordo de to numa coisa: há cerca de semana e meia, foi publicado um estudo que demonstra que o empreendorismo é bem maior em Portugal do que se pensa e que isso acontece, a nível mundial, em razão inversa do grau de desenvolvimento do país. O que falta, portanto, em Portugal são grandes empresas, estruturadas e organizadas, empreendedoras e internacionalmente competitivas para crescerem e gerarem emprego.
Mas exactamente a questão fundamental não é a ausência de iniciativas empreendedoras - expliquei-me mal porventura - mas sim, como referes a capacidade de estruturadamente (eu diria mesmo estrategicamente) ter um modelo de desenvolvimento em que o empreendedorismo e as iniciativas empresariais sejam mais sólidas, à falta de melhor argumento.
Não discuto a questão das competências, que é um facto sem grande necessidade de comprovação académica, mas o facto de termos de "nos virar" é por si um factor incentivador (pelas razões erradas) de um maior pendor empreendedor em Portugal, e as gerações mais novas têm hoje esse sentimento bem mais enraizado como alternativa natural (e bem, parece-me).
A questão do estudo que mencionas faz-me lembrar os discursos no Parlamento, sempre vazios de comparações quantificadas e contraditório. É "mais fácil" dizer que "o empreendedorismo é bem maior" mas que nos interessa essa informação desgarrada e solta num qualquer estudo?
Já me parece bem mais consistente e "difícil" dizer que é necessário quantificar, modelizar, apontar um caminho e avaliar regularmente com base nesse pressuposto para verificar se é um factor positivo ou negativo, consoante o modelo de desenvolvimento que escolhemos.
Acrescento apenas, aqui para nós, que o empreendedorismo pode ser visto hoje como uma externalidade do modelo que POrtugal tem vindo a apontar.
E que não é necessariamente positivo, pois não o é estruturadamente (apostando em sectores estrategicamente mais relevantes para a produção nacional), nem é suficientemente sólido em termos económicos (são muitas vezes iniciativas que resultam de não ter alternativa), e muitas vezes alojam actividades que têm uma base assente na economia paralela, que por esta via, mas também pela carga fiscal, cresce no nosso país.
E fico-me por aqui porque o dia está bonito e cheio de calor!
Caro JC
Parabens pelo post. PPC ultrapassou tudo o que a decência, mesmo politica, exige.
Apenas gostaria que ele desse o exemplo: Se despedisse, e procurasse uma nova oportunidade... algures no nurkina-faso.
Com gente desta isto só pode acabar mal... muito mal.
Cumprimentos
Repito à laia de resposta tardia: o que faz falta a portugal é um tecido empresarial mais sólido, com empresas de maior dimensão e melhor estruturadas e geridas, logo, com maior capacidade para absorver mais gente daquela que nos últimos anos se qualificou. Todos conhecemos pessoas da geração dos 20/30 anos, qualificadas (e não estou a falar em "psicologia" ou "relações internacionais"), algumas com cursos e pós-graduações conseguidos em boas universidades no estrangeiro e que têm dificuldade em arranjar emprego compatível em Portugal. O que é preciso é qualificar mais empresas, torná-las mais competitivas e fazê-las assim crescer. Mas irá demorar, claro.
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