Uma questão essencial que o fracasso da greve convocada para o "Pingo Doce" e apelos sem resultado ao boicote às compras nessa cadeia de supermercados veio novamente lembrar, mesmo de forma talvez brutal, é que a divisão da sociedade em classes baseada na relação destas com os meios de produção, como essencialmente a definiam os clássicos do marxismo (alienação ou posse que determinavam "proletariado" e "burguesia"), já pouco ou nada tem a ver com a realidade. A terciarização das sociedades desenvolvidas, a "proletarização" de algumas profissões como os professores e funcionários públicos, a penetração das novas tecnologias e da sociedade da informação na organização industrial, a mobilidade social acrescida e a "financeirização" da economia destruíram em grande parte a noção de "pertença de classe", da identidade e cultura operárias forjadas no trabalho duro das fábricas, na admiração pelos grandes dirigentes operários, na solidariedade construída no bairro entre os seus iguais e na cultura e socialização aprendidas e vividas nas sociedades recreativas. Hoje em dia a questão é bem mais complexa, e não terei muitas dúvidas em afirmar, por exemplo, que o trabalhador de bata branca que comanda um "robot" na linha de produção da AutoEuropa (tenho dificuldade em chamar-lhe operário) se identificará bem mais com certos procedimentos e regras de gestão, comportamentos sociais até, da sociedade alemã, mesmo com alguns dos seus quadros técnicos, arrisco, do que com muitos dos seus colegas de uma pequena empresa industrial portuguesa. Tanto - outro exemplo - como a "rapariguinha do shoping", suburbana, se identificará com os seus ídolos da TV ou das revistas "cor de rosa", condição a que espera um dia aceder. E não se iludam, essa identificação e solidariedade de antanho, essa comunhão de interesses permanente, não foi substituída por outra feita de situações apenas transitórias de vínculo laboral ou da sua ausência, como a do trabalho precário, dos contratos a prazo ou do desemprego. Embora a precariedade e a "pressão dos patrões" possa ter, como afirmam as centrais sindicais, alguma influência no fracasso de muitas greves no sector privado - não o nego - estão longe de ser essas as questões fundamentais e determinantes que também permitem compreender, por exemplo, o facto de muitos militantes e votantes comunistas se voltarem em França para a FN da família Le Pen. Estas são questões que os sindicatos, erigidos na primeira metade do século XX, não surpreendentemente, em função do que acima descrevo, transformados quase exclusivamente em organizações agregadoras dos trabalhadores do sector público e que tendem a funcionar em função quase exclusiva destes, têm forçosamente de compreender se querem evitar o isolamento e salvaguardar algumas das conquistas mais importantes do mundo do trabalho.
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