sexta-feira, janeiro 09, 2009

Da música popular portuguesa

GAC - Grupo de Acção Cultural "Vozes na Luta".
"Coro das Maçadeiras" - do álbum "Pois Canté" (1976)
Por muito que isso possa ser estranho, ou constituir, até, para alguns, uma heresia, não foi o chamado movimento "Ié-Ié" o representante em Portugal do "rock and roll" dos pioneiros ou dos subsequentes teenage idols pré-"british invasion". Quem, em Portugal, revolucionou a música popular no mesmo sentido em que o "rock and roll" também o fez, transformando-a numa forma cultural emblemática das gerações do pós-guerra, também ela arma de arremesso e refúgio das transformações sociais, começou por ser um licenciado em Ciências Histórico-Filosóficas da Universidade de Coimbra, um tal Dr. José Afonso, como se dizia num tempo em que os jogadores da Académica que tinham uma licenciatura ganhavam direito a nome anunciado no estádio ou impresso em “A Bola” com o respectivo Dr. à frente.

Tal como os pioneiros do "rock and roll" e um tal Sam Philips (que deveria ter direito a figurar entre os vultos da cultura do século XX) fizeram, amalgamando a música negra dos "blues" e "gospel" com as formas musicais dos "hillbillies" do midwest e ilustrando-a com “letras” que evidenciavam os compromissos culturais e a forma de vida da nova geração, entre os quais se contava um novo modo de exprimir e viver a sexualidade que já estava presente nos "blues" ("rock and roll" não é mais do que um eufemismo para designar uma relação sexual), José Afonso pegou na única forma de música popular urbana conhecida (o fado, na sua mais intelectualizada versão coimbrã), juntou-lhe o melhor da música rural presente nas recolhas de Michel Giacometti e algo da influência recolhida durante o seu “exílio” moçambicano e, também ele e os que se lhe seguiram, com destaque para Adriano Correia de Oliveira e os poemas de Manuel Alegre, a ilustraram com “letras” que iam ao encontro dos dois principais problemas da geração então adolescente ou jovem adulta: a ditadura e a guerra.

Mais tarde, já após o 25 de Abril, é o GAC que adapta essa nova música popular àquelas que seriam vivências e preocupações de momento dessa mesma geração, ao que a esquerda radical designava por “lutas populares”. Cerca de uma década depois, apesar do inegável interesse sociológico de uma geração que, com o chamado “novo rock português, tentou criar, servindo-se de formas musicais importadas no auge do movimento "punk", uma cultura musical suburbana, na fase de maior expansão das cidades e da sua “tomada” pelos subúrbios, é António Variações, uma vez mais recorrendo a formas e mitos da música popular (Amália), que dá voz a uma nova forma de marginalidade, onde a cultura LGBT assume já um papel de destaque. Diria que, mais do que uma música entre o Minho e Nova Iorque, o seria entre a Lisboa do Bairro Alto de então e a S. Francisco do “Castro”.

Hoje, com a imigração e a desertificação lisboeta a par com o aparecimento de formas de expressão musical especificamente negras nos subúrbios, a diferença entre a cultura dos filhos daqueles portugueses brancos que povoaram esses mesmos subúrbios nos anos 60 do século XX e a da cidade esbate-se, funde-se, criando uma nova música popular, ou pelo menos o seu embrião. Os Deolinda não são mais do que expressão desta nova realidade.

Curiosamente, em toda esta história da música popular portuguesa que aqui brevemente se “resenhou”, embora de forma menos evidente no percurso do GAC que valoriza a música de expressão rural, o fado tem um papel predominante. Quem diria?
Nota: o "Gato Maltês" agradece a "Rato Records" a digitalização do tema do GAC.

2 comentários:

ié-ié disse...

Perfeito e inquestionável.

LT

JC disse...

Thank u!