No início do regime democrático, com a intenção deliberada e positiva de consolidação da sua imagem aos olhos dos cidadãos (desnecessária, pois o regime gozava então de prestígio incontroverso) e de atrair gente com qualidade vinda da actividade privada ou da vida académica (o que também me parece seria desnecessário dado que a política era então aceite como sendo uma actividade nobre), os deputados resolveram atribuir a quem exercia funções políticas ordenados muito baixos, compensando tal disparate com a atribuição de "fringe benefits" vários, benefícios adicionais a que o "povo da SIC" resolveu chamar de "mordomias". Tratou-se, à luz das circunstâncias de então, daquilo que me parece, hoje em dia, terem sido uma escolha demagógica e uma escusada concessão ao populismo (todas o são, convenhamos...); e como quem cede à demagogia populista lhe acaba por morrer às mãos, temos hoje perante nós o resultado de tal asneira: com a conivência e por vezes até a instigação de jornais e jornalistas sem quaisquer escrúpulos ou cultura ética e democrática, abriu a chamada "caça aos políticos", levando à sua frente gente honesta e menos honesta, políticos competentes e incompetentes, personalidades dedicadas ao serviço público e outras que o serão menos, corruptos e pessoas impolutas. No fundo, levando à sua frente o regime, que é o que se pretende e está efectivamente em causa.
Significa isto que todos os benefícios adicionais incluídos no pacote salarial de políticos fazem sentido? Bom, como disse, seria bem mais lógico que alguns desses benefícios adicionais pudessem ser convertidos em salário, tornando tudo bem mais claro e esse vencimento mais compatível com a actividade exigente e desgastante que exercem e onde toda a sua vida, pública e privada, é exposta ao estilo "panem et circenses" para gáudio do "povo da SIC". Mas se admito existirão casos em que tais "fringe benefits"poderão revelar-se excessivos (tal como em muitos sectores do Estado, e pela ausência de processos de avaliação e progressão credíveis, muita gente ganha acima do mérito efectivamente não-demonstrado), creio não será esse o caso da sua grande maioria. Até porque, sabemos, se alguns desses cidadãos que exerceram actividade política conseguem, por via disso, lugares profissionais de destaque - e são esses os apontados a dedo pelos "media" como se de criminosos comprovados se tratassem - não é isso que se passa com uma maioria, que finda a sua comissão de serviço regressa aos seus lugares e profissões de origem sem benefício visível para as suas carreiras profissionais ou, na melhor ou pior das hipóteses, passa a exercer ignoradas e mediamente pagas funções políticas em algum lugar da estrutura do Estado.
Nota: não me lembro de alguma vez ter visto o PCP assumir a vanguarda do coro demagógico da "caça" às ditas "mordomias" dos políticos. Com o à-vontade de quem defende uma sociedade que muito pouco ou nada tem a ver com aquela que é proposta pelo PCP, apenas me apetece dizer que quem faz e sempre fez política a sério sabe que este não é o seu caminho. Honra lhe seja feita.
2 comentários:
O efeito de espiral que isto cria é restringir a disponibilidade de gente capaz e abrir cada vez mais o espaço e as possibilidades dos medíocres. O que por sua vez vai criar uma justificação acrescida para as investidas dos "jornalistas".
Ou seja, ao atacarem um facto que não o é (porque generalizam grosseiramente a partir de casos pontuais e metem no mesmo saco situações que não são necessariamente comparáveis entre si) estão a criar condições para a criação a prazo desse mesmo facto, e aí, sim, com toda o impacto negativo decorrente para o conjunto da sociedade.
O crime perfeito...?
É quase um caso de "self fulfilling prophecy". E o que mais me espanta é ver por vezes pessoas que reputo inteligentes alinharem nestas coisas. Felizmente, nem todas.
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