Ora vamos lá mais uma vez tentar ser claros.
Questões sociais à parte (repito, para não ser mal interpretado, questões sociais à parte e tentemos delas abstrair por um momento), por muito legítimas que o sejam (e são-no), na actual conjuntura o apoio social às famílias não deverá centrar-se no aumento de pensões, de ordenado mínimo ou subsídios de sobrevivência, por muito baixos que estes sejam e não posso negar essa evidência, mas sim no apoio aos desempregados e trabalhadores em situação temporária de "lay-off" ou em risco de desemprego, quer através das transferências do Estado para as famílias, quer pelo apoio do Estado às empresas viáveis mas em situação conjunturalmente frágil. Expliquemo-nos.
Pensionistas e trabalhadores pouco qualificados viram o seu rendimento real crescer com a crise, dado o aumento do diferencial entre a taxa de inflação (em queda acentuada) e o aumento das retribuições este ano superior à média dos anos anteriores. Claro que esses rendimentos continuam a ser muito baixos – não é isso que está em causa – mas, conjunturalmente, sofreram um ajustamento positivo não negligenciável. Ora a quase totalidade dos seus rendimentos é consumida em bens de primeira necessidade, cujas empresas produtoras não sofrerão por esta via grandes variações negativas na procura. Mais ainda, o efeito conjugado do aumento do desemprego e das expectativas pessimistas do resto da população tenderá a que largos sectores desta iniciem e consolidem um movimento de “trade down”, substituindo bens mais sofisticados por outros mais básicos e mais baratos, o que contribuirá para o aumento da procura desse tipo de bens possibilitando às empresas que os produzem (as bem geridas, entenda-se) o oxigénio necessário à sua viabilidade.
O problema situa-se pois a outro nível, o da diminuição global da procura de bens e serviços “intermédios” (chamemo-lhes assim), principalmente bens de consumo duradouro e serviços da área do lazer, por efeito conjugado do desemprego e do “lay off” em sectores onde os trabalhadores auferiam razoáveis vencimentos (casos do sector automóvel e de empresas como a Qimonda, por exemplo), bem como da substituição do consumo por poupança e do citado efeito de "trade down" na população que tem emprego, em razão das expectativas negativas e das dificuldades de acesso ao crédito. Por muito que possa doer e revelar alguma insensibilidade social, este é, no momento, um dos nós do problema que é necessário o governo afrouxar e ajudar a desatar. Utilizando a frase do costume, desta vez "é mesmo a classe média, estúpido"!
Claro que uma percentagem elevada deste bens e serviços “intermédios” incluirá uma forte componente importada, o que agravará o déficit externo e a ajudará, pelo menos na aparência, mais a resolver a crise em Espanha, na Alemanha ou no UK do que no nosso próprio país. “Trompe d’oeil”, pois no actual quadro de globalização contribuir para resolver a crise em qualquer dos nossos principais parceiros significa também (ou esperemos que signifique) aumentar as nossas exportações e, assim, resolvê-la também um pouco internamente. Esta uma das razões porque não pode existir uma solução nacional, mas que também bem espelha os perigos de uma deriva nacionalista, razão suficiente para os que sempre defenderam a necessidade do aprofundamento político da UE.
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