Ontem, em acção de "zapping", dei com um tal canal Q, que confesso nem sabia que existia. Mas como vi por lá entrevistavam Daniel Oliveira, alguém que respeito, com quem estou frequentemente em desacordo, mas que sabe pensar e de quem me habituei a ouvir algumas coisas interessantes, deixei-me por lá ficar durante alguns minutos. O suficiente para ouvir Daniel de Oliveira, questionado sobre a impossibilidade de um acordo de governação entre o PS e os partidos à sua esquerda, fazer uma afirmação que se tornou um quase-dogma no Bloco de Esquerda, partido que Daniel abandonou há pouco. E diz esse quase-dogma que "a crescente degradação social tornará viáveis acontecimentos hoje em dia julgados impossíveis" (cito de modo livre). Ora estamos perante uma afirmação voluntarista e perigosa. Voluntarista porque faz dos desejos realidade, não tendo em conta a situação no terreno, a natureza do PCP e as relações de força existentes: nada nos leva a acreditar, apesar do desastre governativo, numa deterioração extrema da situação social que leve a uma agudização dos conflitos e a uma erupção da violência até ao ponto de colocar em causa o chamado "normal funcionamento das instituições". Perigosa porque joga tudo nessa mesma deterioração e explosão social, indesejáveis, pois apenas desse modo Daniel Oliveira vê possibilidade de transformar os seus desejos em realidade. No fundo, esta afirmação remete-me para o período do PREC, quando a extrema-esquerda era de opinião que a radicalização do processo revolucionário, das "massas", acabaria por subalternizar e ultrapassar "na rua" as posições reformistas e revisionistas do PC. Que raio!, já era tempo de terem memória e com ela aprenderem alguma coisa.
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