segunda-feira, abril 01, 2013

Teresa de Sousa e a elite de Aljubarrota

No seu artigo de ontem no "Público", Teresa de Sousa, alguém que leio e oiço sempre com interesse, afirma, a dado passo, tentando justificar a mediocridade da elite portuguesa, talvez mesmo o seu anti-patriotismo, que "é preciso nunca nos esquecermos que a elite portuguesa estava do lado de Castela na batalha de Aljubarrota. A elite actual, às vezes, não parece ser muito melhor". A frase parece ter feito o seu caminho e foi retomada pelo blog "Câmara Corporativa", ligado ao PS, e citada no "twitter" por João Pinto e Castro, da mesma área política. Ora sobre o assunto, convém esclarecer o seguinte:
  1. É indiscutível que a elite portuguesa, a grande aristocracia, tomou o partido de D. Juan de Castilla; as principais praças e castelos pronunciaram-se a seu favor. Vários nobres portugueses, entre eles, pelo menos, um irmão de D. Nuno Álvares Pereira, combateram em Aljubarrota do lado Castelhano. Mas atenção...
  2. Tal não significa qualquer "traição à pátria" ou era sequer era indício de mediocridade da elite portuguesa. D. Juan, casado com a única filha legítima de D. Fernando, rei de Portugal, era, de facto (ele ou sua mulher), o legítimo herdeiro do trono português e "pátria" e" nacionalismo" eram conceitos desconhecidos num tempo em que, isso sim, vigorava a "lealdade" e "fidelidade" ao rei ou ao senhor feudal. "Nação" e "pátria" são conceitos ideológicos fundamentalmente surgidos nos séculos XVIII e XIX, com o fim do "Antigo Regime", em que foi necessário encontrar novos elementos de agregação e obediência que se substituíssem aos anteriores. Assim sendo, a elite aristocrática portuguesa limitou-se a agir de acordo com a sua noção de honra e com aquele que era o seu dever. Também de acordo com os seus interesses, claro, mas que coincidiam com os valores a que, por juramento, se obrigava.
  3. Além disso, Aljubarrota não foi apenas uma batalha apenas entre portugueses e castelhanos, muito longe disso; existe uma complexa teia de interesses relacionado com o ocidente europeu que nela vai ter interessante expressão. Em primeiro lugar, os interesses convergentes da ascendente burguesia portuguesa (leia-se, de Lisboa) e da pequena aristocracia do reino, receosas, com razão, de que a união das coroas ibéricas significasse um reforço da grande aristocracia ibérica e lhes retirasse o protagonismo e poder a que ansiavam. O facto do Mestre de Aviz ser um bastardo, como era comum à época destinado a uma carreira secundária numa ordem religiosa militar ou equivalente (era o mesmo que ser hoje nomeado para administrador de uma empresa pública ou para um qualquer cargo menor na estrutura partidária) e ter sido (autenticamente) colocado no trono pela burguesia lisboeta com recurso àquilo que hoje se chamaria um "parecer jurídico" (João das Regras), é bem sintomático da importância burguesa no seu "partido". Para além dessa característica de "guerra civil" (portugueses de ambos os lados), Aljubarrota é também um episódio da Guerra dos Cem Anos, que fundamentalmente opôs França (aliada a Castela) e Inglaterra (não vale a pena entrar aqui em pormenores). Em Aljubarrota combateram cavaleiros franceses do lado de D. Juan e arqueiros ingleses do lado português e as técnicas de combate utilizadas são idênticas às de Poitiers, Crécy e Azincourt, tal como seus resultados. Para além disso, John of Gaunt, Duke of Lancaster e pai da futura rainha Dona Filipa de Portugal, era filho de Eduardo III de Inglaterra e pretendente ao trono de Castela por via do seu casamento com a Infanta Constança, filha do rei Pedro I de Castela (aliás, também ele de ascendência portuguesa). Enfim, a confusão e a teia de interesses em jogo é mais que muita e, portanto, longe da concepção nacionalista que é comum nos ser vendida. Acresce, como conclusão, que me pergunto sempre se não é por via desta aliança com Inglaterra, inimiga de Castela (mais tarde, Espanha) e de França enquanto grandes potências continentais, que Portugal abdica do seu protagonismo no continente europeu e se vem a tornar num país económica e politicamente periférico e longínquo face aos teatros onde se decide o futuro da Europa. Mas isso é já outra longa conversa...

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