segunda-feira, outubro 12, 2009

Notas sobre as eleições autárquicas

  1. O que estava verdadeiramente em causa nestas eleições, a nível nacional, não era quem tinha mais votos, mais câmaras ou mais mandatos. O que estava em causa era um resultado que permitisse ao PSD reforçar o seu poder face a um fragilizado futuro governo minoritário PS, nas batalhas parlamentares que se avizinham, e credibilizar a sua actual equipa dirigente, interna e externamente, depois da derrota das legislativas. Para isso teria necessitado de um resultado em número de câmaras semelhante ao de 2005, salpicado por uma ou outra conquista local significativa (ganhar Lisboa não tendo perdido Leiria, por exemplo, e mantendo a vitória em Faro). Nada disso aconteceu e o PS obteve mesmo um bom resultado. Assim, o PSD e a sua actual equipa dirigente saem ainda mais fragilizados da contenda.
  2. Já aqui falei, a propósito dos candidatos com problemas com a justiça (felizmente, Felgueiras e Ferreira Torres perderam!), sobre a lição que os entusiastas dos círculos uninominais podiam e deviam tirar das eleições autárquicas. Ontem, à medida que iam sendo eleitos os presidentes de câmara e verificando eu o racional que tantas vezes estaria por detrás da sua eleição, reforcei as minhas convicções. A adopção de círculos uninominais num país como Portugal, que não é o Reino Unido nem tem de tal coisa tradição, apenas iria contribuir para a transformação dos partidos e da Assembleia da República numa nebulosa rede de interesses pessoais, locais e regionais, para um aumento exponencial da demagogia e populismo eleitorais e, pior, para a migração de candidatos entre partidos por motivos e através de práticas pouco recomendáveis. Digo mais: representando os deputados a “Nação” e não tendo a sua maioria qualquer ligação efectiva ao círculo pelo qual são eleitos, não me parece existir uma razão de peso para que as eleições legislativas não se façam na base de um único círculo nacional, podendo, ou não (ver-se-ia), os eleitores riscarem os nomes com os quais não concordassem.
  3. Em muitos casos, a actual divisão administrativa do território (concelhos e freguesias), que me parece vir da reforma de Passos Manuel, no século XIX, não faz qualquer sentido. Já falei sobre o caso de Lisboa, dividida em 53 freguesias, umas que não vão além dos 300 ou 500 eleitores e outras com dezenas de milhar, o que impede qualquer gestão racional do concelho. Por outro lado, e aqui á volta de Lisboa, existem também concelhos que, hoje em dia, deveriam ser desagregados, enquanto outros, na província, deveriam sofrer tratamento inverso. Claro que existem demasiados interesses em jogo e, por isso, ninguém mexerá uma “palha”. Perdemos todos.
  4. O “Bloco”! Pois, o “Bloco”. Para além de ter chegado tarde a estas vidas, paga o preço do modo como nasceu e se fez gente: do partido de “protesto”, do contra-poder, de quem se preocupa com coisas tão pouco tangíveis tais como a ideologia, o equlíbrio ecológico e ambiental, o ordenamento do território, a igualdade de género; enquanto a nível das autarquias predomina a “obra feita” do “multiusos”, da piscina, da rotunda, das “novas centralidades”. São lógicas que não se interligam nem sequer se chegam a tocar. Talvez no futuro, quando necessariamente, por esgotamento do actual modelo autárquico herdado dos anos 80, a lógica mudar. Mas, para além disso, que esperava o “Bloco” em Lisboa?, onde não apresentou (ou não conseguiu passar) qualquer proposta diferenciada, onde a CDU tinha um bom candidato e Luís Fazenda tem o carisma de uma amiba e a imagem de um Flinstone!? Não sou pitonisa, mas tinha-o previsto.
  5. O PSD tornou-se um partido essencialmente autárquico? Qual é a surpresa? Os standards actuais foram lançado pelo cavaquismo, quando uma elite politicamente culta e cosmopolita (Sá Carneiro, Pinto Balsemão e alguns outros) foi substituída por gente politicamente inculta e com uma visão provinciana do país e do mundo. Pior, por um grupo de “fazedores” que apresentavam um certo “nojo” à política como seu cartão de visita. Os fundos da então CEE ajudaram a cimentar o partido nessa base e é esse modelo, muito perto do que é a ideia de autarquia em Portugal, que continua a perdurar no partido.

4 comentários:

Anónimo disse...

Claro que os círculos uninominais não interessam nada. Principalmente aos centralista lisboetas, esses filhos da puta que roubam o país.

Você, seu bardamerdas o que diz disto:

Novas regras para dar mais verbas a Lisboa
Governo mudou regulamento do FEDER e do Fundo de Coesão há três semanas viabilizando o desvio de verbas das regiões mais pobres do país para as dar a Lisboa. Possibilita-se, então, que dinheiro destinado às regiões de convergência possa ser usado em Lisboa. região de Lisboa não teria direito às verbas destinadas às regiões de convergência, uma vez que os seus indicadores - PIB (Produto Interno Bruto) per capita e qualidade de vida - já estão acima da média europeia

Jack Kerouac disse...

É incrível a condescendência que se tem para o Bloco, funciona assim como uma espécie arma de arremesso contra o PC, a suprema vingança da suposta derrota dos "comunas" no seu próprio campo. Porque o PC perder para o PS ou para o PSD, é entendido como uma opção por áreas políticas diferentes, como a alegada "esquerda democrática" ou direita liberal. O caso do Bloco, é entendido como uma derrota do PC para um movimento que se move na mesma área política. Adiante, é boa vontade dizer-se que a falta de implantação autárquica do Bloco se deve a ter chegado tarde a estas coisas. Sabendo-se que o Bloco se formou através da junção de vários partidos, entre os quais a UDP a e o PSR, absorvendo portanto as estruturas locais que cada um tinha. E pelo menos a UDP, que normalmente elegia 1 deputado, e que concorria sempre a várias autarquias, chegando a presidir a uma na Madeira, tem já um histórico de candidaturas regionais desde 76, e o Bloco herdou tudo isso. O Bloco não surgiu do nada, o que não teve foi capacidade de angariar figuras locais com carisma, que são fundamentais para as eleições autárquicas, por um lado, e por outro aquelas que gerou, como o caso do "Zé que Fazia Falta" deram a barraca que se viu. Aliado a que a nível local as pessoas sabem o que faz, especialmente em meios mais pequenos, e sabem que os poucos eleitos do BLOCO em 2005 para os orgãos autárquicos primaram pela ausência ou pela passagem para o PS, é verdade o Zé não foi o único caso, se bem que foi o mais mediático. Ora as pessoas nem sempre são parvas, e se tiveram a experiência de votar no Bloco que acabou apenas por servir de apoio ao António Costa, então vale mais votar directamente no mesmo. O facto de o Bloco não ter qualquer expressão autárquica deve-se a não ter projectos nem figuras que o justifiquem, e não á tal falsa chegada tardia, que apenas serve para atenuar de forma simpática a derrota do BE nestas eleições.
Acho curioso também a habitual imagem da esquerda moderna que se faz passar tão bem em todo o lado, passando ao lado de que o BE é o que tem o mesmo líder há mais tempo, de entre todos os partidos com assento no parlamento, são aquelas verdades que se repetem, e ninguém questiona. Também é engraçado atribuir-se ao BE uma preocupação com a sua ideologia, quando sinceramente não sei qual é, e gostaria que me esclarecessem, qual é afinal essa famosa ideologia que o BE defende ? O BE é mais um partido de inchar do que de crescer sustentadamente, é um partido que dá jeito aqueles que não querendo votar PS, também não querem votar PC por razões óbvias. No fundo é o fenómeno idêntico ao que se passa com o PP em relação aos descontentes com o PSD, incha e desincha. O BE é um partido mais de causas do que de projecto, é um partido que deve a sua popularidade a uma meia dúzia de figuras bem contadas e a umas míudas giras, elegeu mais deputados do que o número que tinha de candidatos preparados para o ser. E que consegue passar incólume do caso da Joana Amaral Dias, sem ser considerado um partido sectário dirigido por Ortodoxos. E por aqui me fico que já estou farto de escrever por agora...

Cumprimentos

JC disse...

JK, como queres que te responda aqui a tanta coisa ao mesmo tempo? Dava um livro! Olha, ficando desde já prometida conversa adequada para os próximos tremoços (tenho mtº gosto em discutir isso tudo contigo, "needless to say"), sugiro-te uma ida à etiqueta "Bloco de Esquerda", pedindo-te a paciência de leres o que mais te interessar sobre o assunto.
Abraço

JC disse...

De qualquer modo, JK, deixa-me desde já adiantar umas notas a propósito de comentários que fazes sobre o "Bloco" (fica trabalho já feito!...).

Claro que a LCI/PSR, UDP e elementos que vieram a constituir a Política XXI já existiam. Mas:
1. Uma coisa é existirem enquanto tal, outra enquanto "Bloco de Esqª" com toda a dinâmica e processo de "image building" correspondente.
2. De qualquer modo, a LCI/PSR era um grupo da esqª estudantil, urbana e intectual, sem qualquer ligação às "massas". A UDP apenas tinha alguma (pouca) implantação operária na Cintura Industrial de Lisboa e a Política XXI uma dissidência do sector intelectual do PCP, tb sem qualquer inserção social.
3. Mais ainda: a UDP, (e grupos m-l)o único dos partidos que viriam a formar o "Bloco" c/ alguma inserção no tecido social, aparece no final dos anos 60/início dos anos 70, disputando o mesmo espaço ideológico do PCP. Ora por essa altura já o PCP estava no terreno há uns bons 40 anos, encabeçando as lutas sociais contra a ditadura (há que reconhecê-lo).
4. Como disse no "post", a lógica de partido de "causas", contra-poder, "pós-moderno" (vamos chamar-lhe assim), socialmente um pouco "marginal", casa mal com a lógica que tem presidido ao poder autárquico. Conheço alguns simpatizantes do "Bloco", e vê-los a gerir uma autarquia, com a actual lógica de funcionamento das ditas, é de apanhar um susto. Por isso têm recorrido fundamentalmente a independentes (o caso do Sá Fernandes, meu colega quase do lado de cativo na "Catedral" durante mtºs anos) e a trasfugas de outros partidos (o caso de Salvaterra - CDU). O Sá Fernandes não teve paciência e a Ana Ribeiro, com aquela dos toiros de morte, deve ter deixado os fundamentalistas do "Bloco" à beira de um ataque de nervos!
O resto fica para depois, JK
Abraço