quinta-feira, julho 11, 2013

O discurso de Cavaco e a urgência do parlamentarismo.

A enorme confusão e incerteza saída ontem do laboratório de ideias de Belém (quem aconselhará o Presidente?), quando, concorde-se ou não com o seu conteúdo e com as políticas prosseguidas pelo actual governo (e eu, em grande parte, não concordo), os tão vilipendiados partidos políticos, mesmo que apenas após triste espectáculo, tinham conseguido encontrar entre si uma solução com claro e relativamente estável apoio parlamentar maioritário, o benefício da dúvida de parceiros sociais (com a habitual excepção da CGTP), o apoio europeu e dos credores e a não oposição explícita de de cerca de metade dos portugueses, vem mais uma vez demonstrar que o regime semi-presidencialista, longe de ser um factor de equilíbrio democrático e da função presidencial constituir um poder de moderação na sociedade portuguesa, é, inversamente, factor de instabilidade e incerteza, contendo ainda em si os genes da perversão da democracia e das pulsões cesaristas e autoritárias. Confirma ainda, se tal necessário fosse, os perigos inerentes aos orgãos de Estado de características unipessoais, cuja acção, sem os "checks and balances" previstos, por exemplo, no sistema político americano, é sempre de difícil controle e se torna demasiado dependente de personalidades, perfis, estados de alma e aptidão ou inépcia política, estrutural ou momentânea, de quem os ocupa.

Nota: Já agora... Querer "atrelar" o Partido Socialista, nas actuais circunstâncias, a uma qualquer solução de governo, deixando a contestação a cargo exclusivo de PCP e Bloco de Esquerda e contribuindo assim para a degradação acelerada de todos os partidos do chamado "arco da governação", é indiciador da maior cegueira política a que alguma vez me foi dado assistir. Será que a estupidez política desta gente (Cavaco Silva, Carlos Costa,  "troika", tecnocracia dominante, etc, etc) não tem limites?

7 comentários:

Anónimo disse...
Este comentário foi removido por um gestor do blogue.
Anónimo disse...

Pois é, caro JC, tem sido uma característica nossa (infelizmente, não apenas do fantasma de Belém) desde há anos: quando batemos no fundo, vamos logo procurar uma pá para continuar a escavar.

O afundanço não tem fim...
carlos

JC disse...

Com gente desta, é de facto difícil...

Anónimo disse...

Independentemente da actual conjuntura política e dos respectivos protagonistas, que não comento, um hábito meu de sempre, já que, com todo o respeito, prefiro futebol - SLB e música, estes os temas que me atraem neste multifacetado e único Blog, porém, a referência, em abstracto, a um parlamentarismo puro como um sistema ideal, levam-me a tecer algumas considerações para reflexão, os meus “two cents”.

Chamo a atenção para o caso italiano onde o parlamentarismo puro conduziu a fenómenos como Berlusconi, Monti, Beppe Grillo e um presidente que pode acabar o mandato aos 94 anos , sem esquecer a recente quase impossibilidade em se formar um governo.

Conduzindo o parlamentarismo puro a estes fenómenos, será este o sistema ideal ?

Chamo também a atenção que, na história constitucional portuguesa, a Carta Constitucional vigorou 72 anos, devendo a sua longevidade a um poder moderador protagonizado pelo Rei, o qual, em termos republicanos, se pode traduzir no semipresidencialismo ou na chamada magistratura de influência do Presidente, cargo que, disputado por partidos rivais, dá ainda mais conteúdo aos “checks and balances”, a este respeito atente-se ao percurso de Jorge Sampaio num regime em que o semipresidencialismo assumiu após Eanes uma forma ainda mais mitigada e muito longe do saído da quinta república francesa.

IMHO, o parlamentarismo puro não é um ideal ou panaceia que resolva os problemas, antes os pode exacerbar, e não se deve mudar uma Constituição com 36 anos de vigência, justamente metade da da Carta Constitucional, ao sabor das conveniências do momento.

Cumprimentos
JR

JC disse...

1. Cita, caro JR, o caso italiano, mas não me parece tal tenha a ver c/ o parlamentarismo, mas, isso sim, com a sociedade italiana. Como bem sabe, regimes semi-presidencialistas na velha Europa (quando me refiro a "velha" estou a excluir os países ex-comunistas) são apenas a França da V República (por razões históricas que tiveram que ver com a "chamada" de De Gaulle ao poder num período de perigo de guerra civil)e a Finlândia, durante mtº tempo um caso mtº especial devido à sua vizinhança c/ a URSS. Todas as monarquias europeias são regimes parlamentares, tal como o são a Alemanha, a Áustria, a Irlanda e a Grécia.
2. Você esquece-se que Portugal viveu metade do século XIX em guerra civil (basicamente, até à Regeneração) e que foi o tal poder moderador do rei que conduziu ao regicídio e terminou no 5 de Outubro. Acresce que as condições são agora mtº diferentes. Aliás, devo dizer-lhe que entendo e partilho das preocupações e intenções dos constitucionalistas em 1976, dada a situação do país nesse tempo, mas hoje não vejo razão para manter o semi-presidencialismo, que acaba por ser um atestado de menoridade passado à democracia, como se esta tivesse de ser obrigatoriamente tutelada.
Cumprimentos

Anónimo disse...

Tenho dúvidas, caro JC, que fosse o poder moderador o culpado do regicídio. O fervilhar do ideal revolucionário carbonário, a deriva totalitária de João Franco e o descrédito criado com o episódio do mapa cor de rosa, terão constituído o caldo que levou o Buiça, após uma reunião com carbonários, à execução do infando crime, sempre lamentável.

O que estava em causa era acabar com a monarquia, então considerada como a culpada de todos os males que se passavam pelo país.
Lembro que, quer a Constituição de 1822 e a de 1838, a primeira destas marcadamente parlamentarista e a última destas instituidora do bicameralismo, apenas conseguiram sobreviver por curtos e efémeros períodos, ao invés da Carta com o tal poder moderador, que marcaria o período de relativa prosperidade que se viveu após a guerra civil, especialmente no período chamado de Regeneração que elegeu o espírito da Carta como o meio de estabelecer definitivamente o liberalismo em Portugal.

No âmbito da actual Constituição, o facto do actual presidente ter sido eleito através de duas vitórias à primeira volta, no fundo, com o mesmo apoio que já tinha proporcionado ao respectivo partido duas maiorias parlamentares de suporte a executivos por ele chefiados, e o facto de também Soares ser presidente reeleito após desempenhar a chefia de executivos, faz supor que o eleitorado manifesta uma adesão ou acolhe com naturalidade um sistema semi-presidencial, na medida em que o exercício de funções executivas parece servir de trampolim para a presidência da república mantendo-se as respectivas maiorias de apoio.

Mas estou de acordo consigo no tocante às monarquias constitucionais europeias, as quais parecem dar-se muito bem com o parlamentarismo, o qual, por sua vez, convive bem com os quase nulos e apenas protocolares poderes reais insuficientes para gerar um qualquer fervor republicano capaz de fazer ressurgir secessões em estados de composição multi étnico-cultural ( Espanha, Inglaterra, Bélgica ), monarquias que não subsistiriam se não fossem o último bastião unitário que resta. O que não é o nosso caso. Convenhamos, tal como dizia Bertrand Russell, ninguém deve governar por ser filho do seu pai.

JR

JC disse...

Caro JR:
1. Foi o rei D. carlos que nomeou João Franco para governar em "ditadura" e essa foi a causa mais próxima do regicídio, a gota de água que fez transbordar o copo. E note-se que o "governar" em ditadura não tinha, no sec. XIX, um carácter totalitário nem era assim tão pouco habitual. Significava que se fechava o parlamento por uns meses mas se mantinham os direitos, liberdades e garantias, incluindo a liberdade de expressão e de manifestação, bem como a existência legal de partidos políticos. Aliás, como sabe, no sec. XIX o parlamento não reunia sequer com a mesma frequência de actualmente. À data da morte do rei, já existiam mesmo eleições marcadas.
2. Quando citei o caso das monarquias europeias, falei tb de países republicanos como a Alemanha, a Áustria e a Irlanda. Não sou monárquico e, portanto, não estava a defender a superioridade da monarquia enquanto sistema. Aliás, monarquia ou república são para mim indiferentes, desde que regimes democráticos.
Cumprimentos