domingo, abril 13, 2008

"Coelhone"

Digamos que a circulação de políticos entre os governos, o Estado e as empresas é uma inevitabilidade e que, como inevitabilidade que é, não se combate com legislação, com proibições e períodos de “defeso”, com mais ou menos “nojo”, mas com transparência (sim eu sei, a palavra é abominável) que permita avaliar de que modo e quando alguns dos seus actos prejudicam ou favorecem A ou B em favor ou desfavor de C ou D, ou vice-versa. Isto porque, com ou sem “nojo”, com ou sem proibição ou defeso, ela – essa circulação ou colaboração - acontece com e apesar delas – das proibições – contribuindo um cerco demasiado apertado apenas para definir o modo como queremos que se faça: às claras, como acontece agora com Jorge Coelho e aconteceu com outros no passado, ou “à socapa”, por debaixo da mesa nos bares de “Speakeasy, como na “Prohibition”, à margem do escrutínio público.

Tendo dito isto, o caso Jorge Coelho apresenta uma especificidade que o torna mais apetecível para os media e, logo, para o escrutínio público – o que é positivo -, e essa especificidade chama-se... Jorge Coelho. E porquê?

Bom, bem ou mal Jorge Coelho não é visto como um pensador ou um estratega da política, muito menos um teórico com obra publicada, um mestre do discurso florentino. Ele não é o nº 10, o tecnicista que com um passe inteligente, duas fintas de génio a tirar o adversário do caminho, abre a defesa adversária para que o “matador” da equipa complete a jogada. Jorge Coelho é o “carregador de piano”, aquele que leva a equipa às costas e a quem se recorre nas ocasiões de grande dificuldade, quando tudo ou quase parece perdido. Pelo contrário, ele é o “Coelhone” do “Contra-Informação”, alguém com grande sensibilidade política, como lhe chamou Pacheco Pereira, não sei se Jorge Coelho se apercebendo, com essa mesma sensibilidade política que Pacheco Pereira lhe atribui, que, vindo de quem vem, de um intelectual e de um pensador político, isso estaria longe de corresponder a um elogio. Mais ainda, não é alguém, como António Vitorino, por exemplo, que conquistou as suas estrelas, a sua aura cosmopolita, fora do país, num lugar de responsabilidade na capital política europeia, o que lhe permite ter feito o mesmo que Jorge Coelho e continuar a tecer algumas considerações, mais ou menos inócuas e medidas ao milímetro dos seus próprios interesses, em horário nobre da televisão pública sem que ninguém pareça interessar-se muito por isso, por essas considerações e pela sua nula importância. Nada disso. Jorge Coelho sempre foi visto como um representante das bases, da província política, o seu alter ego por elas colocado num lugar de responsabilidade na hierarquia do partido para defender os seus “interesses” no Largo do Rato, no antigo Palácio dos Marqueses da Praia. É alguém que, acham, aparenta ser como eles: no modo como se exprime, em alguma rudeza dos seus traços físicos e no modo como se veste, no militantismo e numa aparente desvalorização do calculismo e do jogo político. É isso mesmo que parece transparecer na sua célebre frase “quem se mete com o PS, leva”, devendo este PS ser aqui interpretado como o partido desses mesmos militantes, das “bases”, lutando nesse Portugal profundo, acham eles que com a quase indiferença da maioria de uma direcção partidária que falará uma outra linguagem, ao contrário de Jorge Coelho de quem se sentem perto, pelo “seu” partido.

Quer se queira quer não, é este perfil de Jorge Coelho, aparentemente tão desajustado ao lugar que agora vai ocupar, talvez mesmo visto pelo PS profundo como um “traição” a um ideário desde cedo assumido, que contribui para um avolumar da mediatização do seu caso e para o impacto e estrondo causados, embora, na realidade, apenas isso, e não a sua essência, possa constituir uma diferença face a tantos casos anteriores ou futuros: simplesmente, it doesn’t fit...

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