segunda-feira, abril 07, 2008

O acordo ortográfico e a política

Confesso não ter qualquer problema em abolir na minha escrita as chamadas consoantes mudas e passar a escrever batizado e ótimo, expressões que, aliás, como agnóstico e parco nos elogios, uso muito pouco. Não se lêem, não se usam? Óptimo (ou ótimo, como quiserem), mas sugiro no Distrito do Porto se passe a escrever vaca com “b” e se coloque um “i” ante de água, para que som e escrita fiquem nos conformes. O mesmo se dirá do Alentejo, onde colocar um “i” á frente do café ou escrever leite com ”ê” eliminando o ditongo talvez também fosse bem recebido. Ou, para que não pensem que me coloco “de fora”, como alfacinha de nascimento passaria a escrever “coalho” em vez de coelho e “riu” e “friu” como nos gozam os do norte. Como quiserem" eu escrevo, com a ajuda do dicionário (desculpem, não foi já diccionário?) do "word" que dá muito jeito a quem, por via de durante algum tempo ter escrito frequentemente em inglês, decidiu, por vezes, esquecer que havia acentos.

Também, devo dizer, não sou purista de uma língua, que só em parte é a minha, daqueles que gostariam de escrever "sahida" e "pharmácia" e chamar "aléu" ao stick do hóquei em patins; farto-me de utilizar termos em inglês e francês, quando me apetece e dá na real gana, e até digo "printar" em vez de imprimir se estiver para aí voltado. Pior, aprendi no “Cavaleiro Andante” que o Capitão Haddock era Rosa, o que estragava completamente o double meaning (cá está), e o Michel Vaillant era Gusmão (cá está outra vez o dito), o que era de uma estupidez á medida do regime. Por outro lado, se ler-mos à portuguesa o nome do campo fortificado romano (Babaorum) dos livros do Astérix, a “coisa” não tem mesmo qualquer graça .

Having said this (cá está ele, sempre a perseguir-me), quer-me bem parecer que na base de um qualquer acordo ortográfico que por aí venha - seja ele qual for, com predominância ou não do português do rectângulo - está uma concepção (agora, não sei como é, se uso ou não o “p”) política de um Portugal luso-tropical (será assim ou sem hífen?), de uma cultura tropicalista que teima em amarrar Portugal a concepções (pronto, conceções) terceiromundistas (o dicionário diz que não é assim: terceiro-mundistas) e ex-imperiais (aqui é com hífen?), afastando-o de uma visão eurocêntrica, política e culturalmente. No fundo, depois de descascada a cebola, é isto que está em causa, é este o key issue (querem, “a questão-chave”?) da questão. E se nos deixássemos mesmo de veleidades e tiques de fidalgo arruinado e investíssemos esse dinheirinho a, para além do inglês, ensinar castelhano nas escolas? A sério, não o"portonhol"!

2 comentários:

filhote disse...

Não podia estar mais de acordo, JC.

Aliás, uma língua viva evolui sempre a reboque da constante inovação da palavra escrita e falada. Na rua ou na literatura. E como o Brasil representa 180 milhões de "inovadores" contra apenas 10 de Portugal, mais tarde ou mais cedo, o óptimo será mesmo ótimo.

Política e culturalmente, só teremos a ganhar com isso!

JC disse...

Uma confissão: o meu problema com o português do Brasil é mais outro: tenho uma enorme dificuldade em entender o que dizem, seja a senhora ali do 5 à Sec da Rua de S. Bento ou as empregadas das lojas da Visconde de Pirajá. O problema é que por vezes acham faço de propósito, com arrogância europeia, o que não é verdade.
Abraço
JC