sexta-feira, março 07, 2008

Portugal, a desigualdade e as classes sociais

Portugal é hoje, seguramente e as estatísticas provam-no, um país mais desigual do que o era há vinte anos, fruto da adopção de um modelo de desenvolvimento que fez um país periférico passar em pouco tempo de uma sociedade rural, de emigração e com uma industria essencialmente produtora de bens de baixo valor acrescentado, a uma sociedade do terciário, acolhedora de imigrantes para as industrias e serviços menos exigentes em qualificação. Talvez seja este o principal legado da Europa e do fim do Império.

Mas se essa desigualdade é, sem dúvida, o lado negativo que se pode apontar ao Portugal recente, com consequências por vezes trágicas, é também verdade que a sociedade portuguesa é, hoje em dia, muito mais “aberta”, apresentando uma muito maior mobilidade social. Menos classista, se considerarmos as classes sociais como devem ser definidas, isto é, integrando, para além da sua vertente económica, dos rendimentos, questões talvez mais complexas como a educação escolar e social, a maneira de estar e de falar, os hábitos, o modo como cada um se veste e se exprime, os seus gostos e as casas onde habitam, enfim, o modo como vivem a sua vida, o que normalmente se altera de forma bem mais lenta do que a velocidade a que se pode ganhar o dinheiro.

Apesar de tudo, foi esse modelo de desenvolvimento que, possibilitando a rápida criação de uma classe média muito mais numerosa, embora ainda fraca e dependente e com “muita terra debaixo das unhas”, e colocando-a no centro do processo, isto é, na política e nas televisões, contribuiu para uma certa massificação social que foi igualizando os valores, ajudando a esbater e aplanar as diferenças, atenuando a diferenciação classista. Claro que muita dessa sociedade emergente nos desagrada, se torna objecto de escárnio como o foram os volframistas do século XX. Outra, menos endinheirada, apenas nos incomoda, invadindo os espaços que eram nossos, das televisões aos cinemas, das praias aos aviões. Até as ruas. Mas trata-se de um puro instinto de defesa, de conservação, e, por muito que essa perspectiva hoje em dia ainda nos pareça estranha, isso será um problema para não mais de duas ou três gerações: um dia, tal qual a burguesia endinheirada tomou como seus, no século XIX, os comportamentos da aristocracia em decadência, de início a soarem apenas como esgares, os nossos bisnetos e trinetos já só se distinguirão pelo passado.

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