- Faz sentido que os professores sejam colocados por um computador do Ministério da Educação em escolas que nunca viram e nunca os viram, onde porventura não queiram estar e lá os não queiram, sem conhecerem os seus futuros colegas e superiores hierárquicos (se é que na actual organização escolar isso existe)? Conhecem alguma organização bem sucedida que contrate assim os seus funcionários e colaboradores?
- Faz sentido que para a carreira docente tanto valha uma nota de curso (12, por exemplo) conseguida no “Técnico”, na “Nova” ou na “Católica”, na Faculdade de Letras de Lisboa, ou na “Internacional”, “Autónoma” e tutti quanti? Alguma organização bem sucedida utiliza este critério na admissão dos seus funcionários e colaboradores?
- Faz sentido que a direcção de cada escola seja eleita, maioritariamente, pelos seus pares e, depois, tenha de responder pelos seus resultados a terceiros: pais, Ministério, sociedade, etc? Alguma organização bem sucedida utiliza este modelo organizacional e de responsabilização?
- Faz sentido que os professores, salvo algum raro problema de maior gravidade, progridam até ao topo da carreira sem qualquer tipo de avaliação credível e apenas por via dos anos de serviço e de créditos concedidos através da frequência de cursos sobre a “modelação do barro de Estremoz” ou do tipo “Windows para principiantes”? É assim que funcionam as organizações bem sucedidas?
- Faz sentido que um professor colocado numa escola de uma zona problemática, no interior, em turmas com problemas de aprendizagem, ganhe o mesmo e tenha o mesmo resultado em termos de (não) avaliação do que um outro que dê aulas ao 9ºA do Pedro Nunes? É isto que se passa nas organizações bem sucedidas?
- Faz sentido que um professor de Matemática, Português, Inglês, disciplinas básicas para um melhor aproveitamento do aluno e onde estes normalmente apresentam maiores dificuldades de aprendizagem, tenha o mesmo vencimento de um outro de Trabalhos Oficinais ou Educação Física? Será que nas organizações bem sucedidas os responsáveis de Produção, Financeiro, Marketing, Recursos Humanos ou Relações Públicas têm todos vencimentos iguais?
- Faz sentido que um professor que gaste o seu tempo e o seu dia a criticar a política educativa (qualquer que ela seja), fora dos orgãos competentes para o fazer (Conselho de Gestão, por exemplo), a manifestar permanente má vontade no cumprimento das directivas da sua hierarquia, a criar por isso mesmo um ambiente de trabalho desconfortável, deve ganhar o mesmo que um outro que, não se coibindo de expressar as suas opiniões, o faz disciplinadamente e no sentido de melhorar a sua actividade e a da escola? É exactamente isso que acontece nas organizações bem sucedidas?
- Faz sentido que um professor na segunda metade da sua carreira, quando tem mais experiência da função que exerce e isso lhe poupa algum trabalho na preparação e organização das suas aulas, lhe permite obter mais facilmente uma atitude de maior disponibilidade para a aprendizagem por parte dos alunos, veja reduzida a sua "carga horária"? Alguém já observou tal coisa nas organizações bem sucedidas?
Sabem, é que estas são algumas das razões pelas quais as escolas públicas não são – e eu bem gostaria que fossem ou passassem a ser – organizações bem sucedidas. Lamentavelmente, nunca vi os professores manifestarem-se contra isso.
5 comentários:
Faz sentido que um professor, só ao fim de, no mínimo, 18 anos de carreira (artº 38.2 do Estatuto da Carreira Docente), e isto se for um profissional extraordinário, com mestrado e doutoramento, possa passar a ter alguma hipótese (depois de concursos, de vagas e de nomeações) de ascender a um lugar de chefia com algum significado (artº 35.4)!?? Se for um profissional normalmente competente será só ao fim de 23 anos (artº 37.4)! É como ir para a tropa com uma licenciatura e ter de ficar soldado raso anos sem fim –, ninguém com um mínimo de valor está para se sujeitar a isto! Alguém já observou tal coisa nas organizações bem sucedidas? Isto para dar só um exemplo.
E já agora uma pergunta: porque é que acha que nesta profissão uma junta médica pode dar como física ou mentalmente incapaz um professor para dar aulas, mas não para fazer qualquer outro tipo de trabalho?
Finalmente: não posso dizer que tudo o que diz seja falso ou errado, mas posso garantir-lhe sob palavra de honra que para a esmagadora maioria dos professores é-o!
Repare: nunca Portugal teve um corpo docente tão preparado e tão humano como na actualidade.
Quando há 25 anos entrei para o ensino tinha colegas meus que tinham acabado o 12º ano e já estavam a dar aulas! Hoje só há professores com formação superior.
E quando fui aluno, nunca um professor se aproximou de mim e se interessou um pouco por saber a causa das marcas que eram visíveis no meu corpo. Hoje, qualquer problema que o aluno indicie e ficam logo todos os professores preocupados e a tomar iniciativas para o ajudar.
É, portanto, tristemente irónico que seja agora que as pessoas embarquem nesta sanha persecutória contra os professores, não acha?
Caro anónimo:
Mtº obrigado pelos seus comentários, que acho pertinentes. Por isso mesmo, tentarei responder-lhe com mais tempo amanhã.
Cumprimentos
Conforme prometido:
Referi apenas algumas questões base que me parecem aberrantes no funcionamento do ensino público (que, digo mais uma vez, defendo). Poderão existir outras, mais ou menos importantes e v. faz referência a uma delas que porventura deveria ser tb corrigida. Como disse, haverá outras. Concorda ou não c/ elas, e se discorda, porquê?
Quanto ás juntas médicas, esse é um daqueles casos de que discordo´e tem servido para dar cobertura a situações dúbias ou de justiça questionável. Professor é para dar aulas:se está incapacitado, fica c/ baixa.
Não tenho dúvidas que os professores hoje tenham graus académicos mais elevados. Pergunto-me, no entanto, se isso corresponde, de facto, a melhor preparação de base, específica e pedagógica, pois voltamos à questão da qualidade de mtªs licenciaturas e à qualidade da formação ao longo da carreira.
Por último, não existe nenhuma sanha persecutória contra os professores, mas a melhoria do ensino público exige que se tomem algumas medidas que implicam mudança, Exige profissionalismo para todos, em termos gerais e abstractos, e não só a boa-vontade, carolice, dedicação e vocação de alguns.
Cumprimentos
Quanto á questão da junta médica
Obrigado pela sua resposta, JC.
E claro que discordo de algumas das situações que refere e ainda de outras.
Como já se percebeu na esmagadora maioria dos países europeus, a escola é um organismo que só sobrevive se houver cooperação, que a competição destrói a escola. Por causa disso, ou não avaliam os professores (caso da Finlândia, por exemplo, em que avaliam a escola e a escola que resolva internamente os problemas), ou a sua avaliação existe mas não conta para a progressão na carreira.
Permita-me que lhe diga ainda o seguinte: os portugueses passaram anos a caricaturar os serviços públicos. E agora, emitem-se opiniões não sobre a escola como ela é realmente, mas sobre a caricatura que dela se andou a fazer durante anos (incluindo pelos próprios professores).
E qualquer iniciativa, qualquer discussão, que parta dessa caricatura não leva a lado nenhum bom.
Quanto à questão da incapacidade para dar aulas. Se ficar de baixa, podendo realizar tarefas nas escolas ou noutros serviços, isso é um desperdício de recursos e de dinheiro. É que dar aulas é uma tarefa extraodinariamente exigente - daí ser das profissões que desde sempre tiveram mais "tempo livre" para recuperar forças.
Olhe, sabe como é na Finlândia?
1º O professor que dá aulas, só dá aulas, não faz mais nada (ao contrário do português que faz tudo). Isso implica, por exemplo, que ele tenha vários meses de férias, porque ele só dá aulas.
2º O professor de Educação Física pode ter até cerca de 30 horas de aulas por semana, enquanto que o de Ciências pode ter cerca de 10 horas de aulas semanais (ao contrário daqui que se acha que um professor de Ed. Fís. do 5º ano precisa do mesmo tempo para preparar aulas que um de Ciências (com laboratórios) do 12º ano).
Sei que isto que acabei de dizer vai, no fundo, ao encontro da ideia que pretendeu transmitir com o seu post: a de uma profunda irracionalidade do nosso sistema educativo. E nisto estamos os dois de acordo.
No que se calhar já não estamos de acordo é que eu acho que este governo, longe de a minorar, levou esta irracionalidade a extremos absolutamente insuportáveis, não só pelos professores, mas por toda a sociedade (que só o irá descobrir da pior maneira daqui a alguns anos).
Com os meus melhores cumprimentos.
Obrigado, caro anónimo.
Só uma última nota: as "baixas" apenas para dar aulas é que - bem intecionadas na sua origem, reconheço - acabam por ser um desperdício de recursos, pois sabendo-se como maioritariamente funcionam, acabam por estar na origem de inúmeras fraudes. poderiam talvez funcionar se, em cada escola, existisse um "headcount" rígido e honesto para quem podia estar nessa situação. Assim, acabam por se arranjar os lugares para que está com baixa lectiva.
Já agora: se se avaliar a escola e essa avaliação tiver alguma consequência, a escola tenderá a avaliar, e rigorosamente, os seus professores. Mas, como sabe, em Portugal cada escola não selecciona os seus professores nem é avaliada, ou a avaliação não tem conseqências.
Cumprimentos
JC
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