segunda-feira, março 26, 2007

História(s) da Música Popular (38)



"Death Rock"
Ora façamos uma pausa, para não ficarmos demasiado empanturrados e termos boca e estômago preparados para o que aí vem, entre a “surf music” instrumental e a vocal, assim como quem degusta um sorbet de limão ou cassis entre o peixe e a carne. E, para isso, falemos de algo trágico mas que nos fará sorrir, qualquer coisa no limiar do kitsch: o “death rock”! Pois as “death songs” foram algo relativamente em voga neste período de refluxo na história do rock, entre o final dos anos cinquenta e a British Invasion a que os Beatles deram origem. Para a “Rolling Stone Encyclopedia Of Rock & Roll” (de que sempre me socorro nestas e noutras alturas) eram “songs about grisly, melodramatic teen fatalities”, segundo os autores (Jan Pareles e Patricia Romanowski), talvez geradas por um ambiente demasiado influenciado pelo perigo nuclear e pela guerra fria. Talvez..., mas, cá para mim, muito mais porque os amores adolescentes - que se pensa serem sempre únicos e “para sempre” e para além dos quais nada existe que justifique a continuação da vida - se querem sempre trágicos, quais Romeus e Julietas dos tempos modernos. E, se virmos bem, algo que marca de forma inequívoca este período do pós "invenção" do rock & roll é exactamente o início da formação e autonomia dessa cultura adolescente, que atingirá formas de expressão mais elaboradas e contestatárias, política e socialmente, e o pico da sua afirmação, na segunda metade dos anos sessenta com o movimento hippie, o LSD, a luta contra a guerra do Vietnam e, na Europa, o Maio de 68. Penso, portanto, que estas “death songs” seriam um pouco a contestação, por via do amor “puro e verdadeiro” – por isso, trágico –, dos teenagers do final dos anos cinquenta aos casamentos e formas de relacionamento amoroso, que viam como convencionais e ultrapassadas, das suas famílias de origem. E a contestação começa sempre pelo que nos está mais próximo, pelo que é mais fácil e imediatista negar. No final dos anos cinquenta é um mundo novo que nasce e, tal como aconteceu após as revoluções burguesas dos séculos XVIII e XIX, isso gera necessariamente novas formas de cultura e relacionamento pessoal, com a negação de todas as anteriores.

Mas enfim, passemos da filosofia aos actos, e este “Tell Laura I Love Her” (1960), de Ray Peterson, é um excelente exemplo (um dos mais conhecidos, também) do "death rock": o rapaz pobre que se inscreve, e morre, numa corrida de “stock cars” para com o dinheiro do prémio poder comprar um anel de noivado à sua amada. Para cúmulo, não consegue despedir-se da “pikena” ao telefone (suprema ironia: fala com a mãe, que representa a geração anterior, a que se quer contestar) e a dita Laura acaba na capela a chorar a morte do seu amado! È o verdadeiro dramalhão de fazer chorar as pedras da calçada e inundar de lágrimas, por junto, o deserto do Mohave e o Death Valley! A canção foi editada pela RCA Victor depois da Decca ter recusado a sua gravação por o tema ser considerado inapropriado (!!!) e teve várias cover versions, sendo a mais conhecida a do britânico Ricky Valance (não confundir com o americano Ritchie Valens nesta altura já desaparecido), para a EMI, que foi #1 nos charts britânicos. Uma curiosidade: foi o primeiro êxito de Jeff Barry, seu compositor aqui em parceria com Ben Raleigh, o mesmo Barry que, mais tarde, formaria com Ellie Greenwich (e também com Phil Spector) uma das parcerias de maior sucesso do célebre Brill Building de NY. Mas isso são já outras histórias que não são agora para aqui chamadas!...

Claro que o "death rock", que nunca foi muito mais do que uma “curiosidade” sem grande expressão, entra em declínio quando os adolescentes da segunda metade dos anos sessenta se começam a preocupar com outras contestações e assuntos mais sérios, deixando de lado estas pieguices na música que faziam, tocavam e cantavam. E ainda bem que o fizeram!

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