quinta-feira, março 08, 2007

Avaliações

Toda a nossa vida se faz de avaliações; avaliamos e somos avaliados. À nascença, desde logo: é parecido com a mãe ou com o pai - já que deixou de haver leiteiro á porta; loiro ou moreno; careca ou com cabelo; para os portugueses, supondo que poderá haver um antepassado soldado napoleónico que por cá ficou trocando de forma geométrica (o “hexágono” pelo “rectângulo”), rendido aos encantos de lusa beleza, a pergunta sacramental: “será que vai ter olhos azuis?”. Depois é um fartote, pela vida fora... Somos avaliados pelos professores (acho que ainda somos) e avaliamos os ditos: situação facilmente comprovada pelo estardalhaço em cada aula, consoante os que consideramos “bons” (pouco estardalhaço) ou “maus” (aula semelhante a um mercado em hora de ponta). Também os pais (alguns) avaliam se nos portamos bem, se estudamos ou não, e avaliam os nossos amigos, muitas vezes em função da hipotética conta bancária dos seus antepassados ou de conhecimentos de família: “ouve lá, porque não te dás mais com fulano, que é tão simpático...?”. Mais tarde, depois de avaliarmos ao espelho as nossas possibilidades perante o sexo oposto (ou o mesmo, não vá a LGBT acusar-me de homofobia), avaliamos também as nossa hipóteses de sermos bem sucedidos e vermos o nosso ego (?) a crescer, ou de levarmos algum sopapo na primeira oportunidade e, coitadinhos, ficarmos traumatizados para a vida ( com direito a shrink permanente muito woodyallaniano e tudo). Depois, consoante as conclusões que tirámos, avaliamos a(o)s candidata(o)s a namorada(o)s e o modo como seremos avaliados por el(a)s e também pelos outros, em função da eventual conquista. E é então aí que sofremos a avaliação das mães, ao estilo “a fulana é tão boa rapariga, logo te foste interessar pela beltrana (que não “Beltraneja”, que essa era Joana e pertence a outras histórias com “H” grande). Quando passamos a votar avaliamos o governo (é assim nos regimes democráticos), que pode ser despedido por mau desempenho, com justa ou injusta causa. Ah, finalmente, que é onde eu queria chegar, somos avaliados pelo nosso provável empregador, ou por quem nos “meteu a cunha” quando nos candidatámos a trabalhar. E aí avaliamos logo a “pinta do bicho”, do que vai ser o nosso chefe - director, patrão, CEO ou “chairman”, pois claro. Depois, avaliaremos e seremos profissionalmente avaliados pela vida fora. Todos... Todos? Mesmo todos? Talvez não se trabalharmos para o Estado...

Bom, mais a sério, admito que para os sindicatos a avaliação seja um problema e a descentralização de poderes, com possibilidade das hierarquias avaliarem e serem avaliadas pelo desempenho dos serviços e tarefas confiados, com flexibilidade na definição dos salários e prémios, possa significar o início do fim do poder absoluto desses sindicatos nas contratações, e da indispensabilidade da sua existência para os trabalhadores. É uma luta pelo poder, portanto, e pela sobrevivência que o actual sistema de ausência de avaliações credíveis e salário igual para todos (dentro do mesmo nível) lhes possibilita.

Também entendo que trabalhadores e chefias desconfiem do que se propõe, não só porque o não conhecem (e sempre se desconfia do que se não conhece), como porque o actual sistema permite, ele sim, um conjunto de decisões e comportamentos discricionários, que ninguém avalia e penaliza, e que temem passe a ser potenciado pelo que, consideram ser, uma certa “desregulamentação” aí vem. Mas se os sindicatos (estes, pelo menos) são irrecuperáveis para a mudança, haverá funcionários públicos que o não serão, e talvez fosse boa ideia que o governo decidisse começar a explicar directamente a cada serviço com acções de formação e esclarecimento as vantagens de um sistema credível de avaliação de desempenhos, baseado em premissas claras, objectivos concretos, sistema de “contrapesos” e comparações (nenhuma hierarquia pode ter só bons ou maus funcionários, como não poderá ser bem avaliada se basear a sua actuação no desleixo, no autoritarismo ou no na falta de motivação dos seus subordinados) e discussão entre avaliador e avaliado. Não em termos abstractos, claro; mas apresentando o modelo concreto que se quer implementar e, principalmente, ensinando as hierarquias a “trabalhar” e conviver com ele. Tarefa difícil, certamente esta, a de ensinar as boas práticas a quem sempre as desconheceu... Principalmente se o professor é aquele que, de uma maneira ou de outra, sempre com a ausência delas conviveu e, porque não dizê-lo, sempre disso beneficiou .

Sem comentários: