No bairro onde cresci formávamos um grupo de crianças que brincava junto. Uns eram conhecimentos de vizinhança, outros os pais e as famílias já se conheciam de há algum tempo e de outros locais, muitos andavam no mesmo colégio ou, mais tarde, no liceu das proximidades e outros tinham laços familiares entre si. Juntávamo-nos em tardes passadas em casa uns dos outros ou nos “pátios” das garagens para infindáveis jogos de futebol tentando evitar que alguma porteira mais zelosa confiscasse a bola, ou inventando e improvisando outros desportos como o ténis contra a parede, basket com o cesto desenhado nas portas das garagens ou corridas de bicicleta e tudo o mais que a imaginação alcançasse. Era o tempo dos "Dinky Toys", com os quais disputávamos animadas corridas nos lancis dos passeios ou em pistas marcadas com molas da roupa no chão das casas, do "Meccano" e, para alguns, já que eram caros e as casas já não permitiam ter uma divisão só para eles como acontecia em casa dos primos mais novos da mãe, dos “comboios eléctricos da "Märklin" comprados numa loja de brinquedos da “baixa”. Cruéis, como só as crianças o sabem ser, desdenhávamos “de quem não era como nós”, sem sequer termos bem consciência do que isso verdadeiramente significava ou sequer usarmos a expressão. Um gesto? A maneira de falar ou de vestir? A atitude? Não importa, pois acho o sabíamos sem efectivamente o sabermos. E nem sequer era uma questão de dinheiro, pois pouco (e poucos) disso nos apercebíamos e os havia, no grupo - hoje consigo distingui-lo – os que viviam mais ricos e os que o faziam menos desafogadamente. Acho que era muito mais uma questão de “cultura” de vida, se isso pode existir; uma separação entre urbanos e aqueles ainda demasiado marcados por uma origem rural. Os “saloios”, como então chamávamos, comparando-os, inconscientemente, com os namorados das “criadas” então ainda uma normalidade no “dia a dia” do bairro. Entre estes, havia um que se tornava mais notado, tentando aproximar-se mais frequentemente mas sempre repelido ou vivendo nas margens consentidas do grupo e apenas nos jogos de rua e quando a sua participação, por esta ou aquela razão, nos dava qualquer jeito.
Na adolescência o grupo aumentou, com a inclusão dos namorados e namoradas. Acabaram os "Dinky Toys" e os jogos de futebol e começaram as reuniões para “ouvir discos”, os jogos de monopólio e de “ping pong”, as festas de garagem e os também jogos de sedução. Embora ainda o continuássemos a ver por perto, as suas tentativas de presença tornaram-se mais espaçadas, como que percebendo que a introdução do elemento feminino o tornava ainda menos desejado ou isso o intimidasse. Acho, mesmo, se sentiria mal, deslocado. A determinado momento, constou se teria tomado de amores platónicos por uma das raparigas mais giras do grupo, espreitando-a quando ela vinha do colégio, o que de imediato o transformou em objecto da chacota geral.
Chegada a idade adulta, e depois de várias actividades políticas ou culturais vividas intensamente nos chamados anos de brasa”, uns tornaram-se advogados, outros gestores; comissários ou pilotos da TAP, bancários, médicos e arquitectos. Nunca mais soubemos dele, invisível "nos anos de brasa", até que um dia apareceu obscuro deputado de um dos partidos do “arco governamental” (parece que é assim que se diz), sem que antes, ou até hoje, lhe tenhamos conhecido qualquer intervenção política ou ideia sobre a vida ou o país. Consta que teria grande capacidade de trabalho, e assim por lá andou, pela “Assembleia”, os anos suficientes para a reforma precoce, e pelo “partido” em tarefas que se presume burocráticas e com o cinzentismo e subserviência que, sem disso termos consciência, sempre lhe tínhamos reconhecido. Um dia, por qualquer razão que desconheço, e depois de ter conseguido colocar um familiar seu em lugar de relevo no executivo camarário, deixou o parlamento e passou para as mesmas funções de “chega-me isso” num dos clubes de futebol da cidade dirigido por personalidade de passado pouco claro e fortuna súbita. Acho que por lá continua, pois o vejo por vezes na televisão, em fundo, sem nunca lhe ter ouvido uma palavra.
Na adolescência o grupo aumentou, com a inclusão dos namorados e namoradas. Acabaram os "Dinky Toys" e os jogos de futebol e começaram as reuniões para “ouvir discos”, os jogos de monopólio e de “ping pong”, as festas de garagem e os também jogos de sedução. Embora ainda o continuássemos a ver por perto, as suas tentativas de presença tornaram-se mais espaçadas, como que percebendo que a introdução do elemento feminino o tornava ainda menos desejado ou isso o intimidasse. Acho, mesmo, se sentiria mal, deslocado. A determinado momento, constou se teria tomado de amores platónicos por uma das raparigas mais giras do grupo, espreitando-a quando ela vinha do colégio, o que de imediato o transformou em objecto da chacota geral.
Chegada a idade adulta, e depois de várias actividades políticas ou culturais vividas intensamente nos chamados anos de brasa”, uns tornaram-se advogados, outros gestores; comissários ou pilotos da TAP, bancários, médicos e arquitectos. Nunca mais soubemos dele, invisível "nos anos de brasa", até que um dia apareceu obscuro deputado de um dos partidos do “arco governamental” (parece que é assim que se diz), sem que antes, ou até hoje, lhe tenhamos conhecido qualquer intervenção política ou ideia sobre a vida ou o país. Consta que teria grande capacidade de trabalho, e assim por lá andou, pela “Assembleia”, os anos suficientes para a reforma precoce, e pelo “partido” em tarefas que se presume burocráticas e com o cinzentismo e subserviência que, sem disso termos consciência, sempre lhe tínhamos reconhecido. Um dia, por qualquer razão que desconheço, e depois de ter conseguido colocar um familiar seu em lugar de relevo no executivo camarário, deixou o parlamento e passou para as mesmas funções de “chega-me isso” num dos clubes de futebol da cidade dirigido por personalidade de passado pouco claro e fortuna súbita. Acho que por lá continua, pois o vejo por vezes na televisão, em fundo, sem nunca lhe ter ouvido uma palavra.
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