Nos últimos dias, tenho visto e ouvido demasiadas vezes a greve dos professores ser analisada de um ponto de vista estritamente moral, isto é, culpando-se sindicatos e ministério por ser moralmente condenável sujeitar os alunos às consequências de uma greve em dia de exames. É, quanto a mim, um ponto de partida errado para se analisar a questão. Estamos, isso sim, perante uma questão eminentemente política, que opõe governo e sindicatos dos professores em torno de uma visão antagónica do que deve ser o país em questões tão fundamentais como o horário de trabalho, salários e emprego, e é como tal que ela deve ser analisada. E deste ponto de vista, devo dizer que, partindo de uma posição bastante frágil já que bastava uma percentagem relativamente baixa de professores não aderir à greve para que os exames se realizassem com alguma normalidade (sempre pensei, por isso mesmo, a Fenprof acabasse por aceitar um acordo de última hora - mas enganei-me), os sindicatos averbaram uma confortável vitória: cerca de 1/3 dos exames não se realizou e, dando de barato a alegada questão das "irregularidades", que estão por comprovar, o caos foi mais ou menos instalado no dia do exame e estará ou não para durar em torno do problema das "desigualdades". O ministro e o ministério foram, pois, colocados em sérias dificuldades, e esse era o objectivo político. Acresce que ficou mais ou menos provado que existiam datas alternativas, o que comprova também, da parte de Nuno Crato, a assunção do carácter político do confronto.
Certo, dir-me-ão, mas os portugueses vão acabar por se virar contra os professores e desse modo conceder um novo fôlego ao governo. Enfim, estou longe de acreditar tal venha a ser o resultado. Em primeiro lugar por razões da história recente: mesmo lutando por objectivos meramente corporativos, no pior sentido do termo, em que não se lhes assistia qualquer razão e me parece colhiam a antipatia de uma maioria dos portugueses, as greves e manifestações de professores durante o primeiro governo de José Sócrates, que estava longe dos níveis de impopularidade do governo actual, acabaram por ser o ponto de partida para a perda da maioria absoluta e levaram mesmo à substituição da ministra Maria de Lurdes Rodrigues por uma profissional de "relações públicas" (Isabel Alçada). Em segundo lugar, e para além da impopularidade extrema do actual governo (e grande parte das pessoas acaba sempre por penalizar - e correctamente - quem governa pelos problemas do país), estamos perante uma luta contra o aumento do horário de trabalho, os cortes de salários e os despedimentos, problemas que não afectam apenas os professores, mas toda a função pública, reformados, pensionistas e os portugueses em geral, mesmo os que trabalham no sector privado como empregados ou empregadores. No fundo, uma luta contra a política recessiva e de empobrecimento, o que digamos faz toda a diferença.
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