segunda-feira, junho 03, 2013

João César das Neves propõe o regresso ao século XIX


Deixemos de lado o apelo implícito de César das Neves para que voltemos ao século XIX e à despesa pública correspondendo a cerca de 5% do PIB, isto é, a um país sem Estado Social, saúde e ensino públicos, segurança social ausente, hospitais entregues às instituições religiosas e à caridade e as comunicações reduzidas a estradas de terra batida e comboio de Lisboa ao Carregado. Convém não se dê demasiada importância aos "tontinhos da aldeia" ou aos "bobos da corte". Mas segue César das Neves dizendo que, como estamos a falar de uma despesa pública de cerca de 50% do PIB, "existe muita gente a viver do dinheiro alheio". Como disse? Que eu saiba, esse dinheiro não é alheio a ninguém, não nasceu nas árvores plantadas por alguns proprietários: é de todos e é exactamente por isso que é ao Estado, eleito por todos os cidadãos, que compete a respectiva gestão. E é também por esse mesmo motivo que compete a esses mesmos cidadãos pedir contas ao Estado sobre o destino dado a esse dinheiro - que é de todos - o que fazem usando a sua liberdade de expressão, manifestação e capacidade eleitoral. Em última análise, e sempre que tal se justifique, também com o recurso aos tribunais, ou seja, recorrendo a todos os mecanismos que o Estado Democrático põe à sua disposição.

Mas continua César da Neves com o seu chorrilho populista de mentiras: "um padeiro sabe que depende daquilo que produz". Não é verdade. Depende disso, claro, mas o que produz depende também da capacidade da sociedade para comprar o pão que esse padeiro fabrica; da possibilidade de ter serviços de saúde que assegurem o seu bem-estar, para que possa trabalhar mais dias com maior eficácia; do Estado que lhe assegurou a formação escolar e profissional (talvez mesmo o ajudou a recorrer a financiamento com condições mais favoráveis) e, por último, da existência de caminhos públicos que lhe permitam distribuir o pão que produz ou aos compradores deslocarem-se até à sua padaria. É nisto - e em muito mais - que se traduz a complexidade dos estados e das sociedades contemporâneas civilizadas e que, pretendendo voltar ao século XIX, César das Neves não quer, quanto a mim de forma pouco honesta, compreender.

Mais à frente afirma ainda o professor (pobres alunos...) da Universidade Católica: "Um médico de um grande hospital, mesmo privado, receita exames e tratamentos que omitiria se ele ou o doente tivessem que pagar a conta". Eu, por mim, diria que ainda bem que assim é. Claro que existem demasiadas vezes exageros das prescrições médicas. Sem dúvida. Mas deixando de lado o facto do doente em causa ter contribuído para o custo desses tratamentos com o pagamento dos impostos que o Estado em devido tempo lhe exigiu, aqui está todo um programa político: tem direito a aceder à saúde quem, no momento em que se realiza o acto médico, tiver dinheiro para o pagar. Assim mesmo, de forma nua e crua. 

No fundo, estas afirmações de João César das Neves, ás quais muitos responderão com o encolher de ombros destinado a quem não se pode levar muito a sério, acabam por sintetizar na perfeição o pensamento da direita ultraliberal actualmente dominante na Europa e no país. É bom que se levem mesmo a sério e tenhamos bem consciência do perigo que representam.

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