Ora vamos lá deixar-nos de hipocrisias que é coisa que me põe doido. Sempre que trabalhadores decidem levar a cabo uma greve, e para que esta seja eficaz, o seu interesse é causar o maior dano possível à "outra parte", isto é, ao lado contra o qual a greve é produzida, normalmente a sua entidade patronal. Assim, e falando do sector privado, sempre que possível os trabalhadores tenderão a marcar a sua greve num período correspondente a um "pico" de vendas e consumo dos produtos ou serviços produzidos pela sua entidade empregadora, Para dar um exemplo, e se estivermos a falar das gasolineiras, o ideal para si será a greve tenha lugar no período de férias dos cidadãos, quando o consumo de combustíveis é mais elevado. Se (outro exemplo) estivermos na presença de uma greve do comércio a retalho, das grandes superfícies comerciais, já o período preferencial para levar a cabo a greve será possivelmente o Natal. E assim sucessivamente. Fácil de perceber que causando assim maiores danos à entidade empregadora, também causará transtornos acrescidos à generalidade dos cidadãos, que se verão assim impedidos de partirem para uma férias há muito marcadas e pagas ou de comprarem o que precisam para a consoada e ofertas de Natal. Haveria muitos mais exemplos, mas deixo a cada um o exercício.
Se agora falarmos da função pública e empresas do Estado, o objectivo será o mesmo e, mantendo-se o raciocínio, os trabalhadores do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (é mais um exemplo) marcarão a sua greve para o Verão, os dos transportes públicos urbanos nunca o fazem para os fins de semana, os das Finanças, possivelmente, pensarão fazer greve no período em que os contribuintes terão de declarar os seus rendimentos e os professores... claro, para o período de exames. Aliás, é exactamente para precaver danos que não podem ir além de certos limites que, para certos serviços, está estipulada a garantia de existência de serviços mínimos: alguns cidadãos têm sempre de se deslocar, terá de existir sempre um "stock" de gasolina para quem se desloca em situação de emergência, etc, etc. Devo no entanto dizer que, não sendo jurista, e não entrando por isso mesmo numa análise jurídico-legal da questão, tenho sérias dúvidas tais serviços mínimos se possam aplicar no caso da greve dos professores de amanhã, uma vez que os exames podem sempre ser, pura e simplesmente, transferidos para um outro dia sem grande prejuízo para pais e alunos, desde que tal seja feito atempadamente e de forma organizada.
Significa isto que estou de acordo com a greve marcada para amanhã? Bom, estive, nos últimos anos, frequentemente em desacordo com as reivindicações dos professores, mormente em questões como as "avaliações", o modo como se processa a progressão nas carreiras, as aulas de substituição e por aí fora. Aliás, difícil é estar ou ter estado de acordo com o funcionamento e a orgânica que presidem ao modo como está estruturado o ensino público em Portugal, apesar da indesmentível e evidente melhoria de resultados obtidos pelos alunos nos últimos anos. E não mudo sequer uma vírgula a essa minha opinião por, entretanto, ter mudado o governo. Mas como também não parto do princípio "besta uma vez, besta para sempre" - e como também nada me move de visceral contra os professores enquanto classe profissional - devo também dizer que no caso do aumento do horário de trabalho para as 40 horas semanais e no sistemático e enorme corte de salários a que têm sido sujeitos os professores, tal como os restantes funcionários públicos, estão cheios de razão. Aliás, vou até um pouco mais longe: não só considero ilegal qualquer corte unilateral de salários (estamos em presença de um contrato incumprido por decisão de uma das partes), como não percebo porque todos os funcionários públicos (há excepções, como sabemos, por razões muito específicas), incluindo os professores, são obrigados a cumprir o mesmo número de horas de trabalho semanais independentemente das funções que ocupam e tipo de trabalho que executam, não sendo, dentro de certos limites legalmente estabelecidos, deixada qualquer margem de manobra a direcções gerais, escolas, serviços, etc, etc. Tal parece-me um disparate e mostra bem que a intenção que preside ao aumento do horário de trabalho é apenas a de colmatar, de modo fácil, lugares deixados em aberto por futuros despedimentos, sem qualquer preocupação com reorganização de métodos de trabalho, procedimentos, eficácia e questões do mesmo tipo que poderiam vir, essas sim, a favorecer a qualidade dos serviços prestados e até o bem-estar dos servidores do Estado. Tenho mesmo para mim que o que vai acontecer será exactamente o contrário: uma diminuição da produtividade e da eficácia da maioria dos serviços públicos. Mas o modo e as razões que estão na base dos futuros despedimentos na função pública - e não sendo eu, por princípio e em termos gerais e abstractos, contrário a que tal aconteça, desde que justificado e tendo na sua base princípios de racionalidade - é por si só uma aberração e daria direito a um enorme capítulo. A realidade o escreverá.
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