Confesso o meu mais profundo desprezo pelos profissionais das “queixas”, da “falta de condições”, da “desmotivação”. Talvez porque desde cedo me ensinaram que, logo que nascemos, os deveres suplantam em muito os direitos, tanto mais quanto com mais privilégios viemos a este mundo; talvez porque sempre ache que os bons profissionais, os que “valem a pena”, se distinguem exactamente por serem capazes do melhor nas piores condições, criando eles próprios a capacidade de as modificar, agindo e reagindo sobre e a elas; talvez porque seja de opinião que a motivação se encontra sempre, de modo suficiente, na tarefa que temos para cumprir, e que, independentemente de salário, pagamento ou condições, o objectivo é, em si mesmo, incentivo suficiente, mesmo que, aqui e ali, um sentimento fugaz de desespero, logo ultrapassado, teime em nos sobressaltar. Pior, muito pior, quando essas “queixas” e “desmotivação” vêm de orgãos de soberania (que deviam dar o exemplo), como é o caso da magistratura; muito mau, ainda, quando a sua origem está nas forças de segurança, que têm por função proteger o cidadãos e as instituições de acordo com a lei democrática e o bom senso (acrescento o bom senso porque este tantas vezes falta para que a lei democrática seja aplicada com probidade). E querem ainda pior? Pois quando o poder político se verga e acobarda perante as “queixas” e a “desmotivação” deste tipo de instituições, alterando objectivos e estratégia, rumos e opções, dando o dito por não dito em troca de um prato de lentilhas, um punhado de votos e um período de acalmia que, tal como o governo de “Acalmação” do Sr. D. Manuel, acaba apenas por prenunciar o fim. Parece que chamam a isto diálogo, mas não é assim que o entendo. Chamo-lhe chantagem, não tendo medo do termo, e incluídos no acto estarão sempre o chantageador (normalmente a corporação) e o chantageado (por norma o governo). Diálogo será bem outra coisa, podendo dar como exemplo os processos de negociação com vista a acordos entre empregadores e empregados (o caso Auto-Europa e o processo de concertação social dão dois bons exemplos), ou quaisquer outros em que as partes, sem deixarem de esgrimir argumentos ou abdicarem de mostrar o seu poder negocial, tenham como objectivo claro o acordo possível, atingível ou não no final.
Claro que tudo isto vem a propósito dos juízes e do tribunal da Feira, dos agricultores e do ministro dos ditos (que raio! Jaime Silva limitou-se a dizer algo que todos sabemos: que a CNA tem fortes ligações ao PCP e a CAP à direita conservadora – onde está o politicamente inconveniente ou incorrecto perante a má educação geral com que as corporações se apresentam?); do modo (no mínimo) deselegante e, aqui sim, politicamente incorrecto, como José Sócrates reagiu às declarações do seu ministro, suficiente desleal para que muitos se recusassem a com ele trabalhar; do subsídio das fardas da polícia e o que mais adiante estará para vir. Ao reagir do modo como o está a fazer, José Sócrates, para além de levar o seu governo por perigosos caminhos de fraqueza e abdicação da sua personalidade e estratégia políticas, está ainda a comunicar aos cidadãos sinais perigosos do que entende por norma política e social aceitável, num país já ele próprio minado pelo tráfico de influências e pela fraqueza endémica do Estado: só a chantagem é Deus e a cobardia política o seu profeta. O resultado, esse, não poderá deixar de ser catastrófico.
Nota: a propósito das fardas da polícia e dos respectivos subsídios. Foram compradas novas pistolas para a PSP. A pergunta será: seria mesmo este o investimento a fazer? Quantas vezes na vida um polícia tem efectiva necessidade de usar a sua arma (e muitas vezes, infelizmente, usa-a mal, de forma inadequada e indigna de uma polícia civil e democrática). Ela não funciona, fundamentalmente, como um elemento dissuasor? Não é verdade que existem Polícias, em países de maior criminalidade, que nem sequer andam armados? Não teria sido melhor investir em outras áreas (fardamento, treino, desenvolvimento de técnicas de investigação, melhoria de policiamento, etc) em vez de num novo “brinquedo”? Fica a pergunta. Será que alguma vez algum decisor a fez?
Sem comentários:
Enviar um comentário