Aqui há uns dias o Luís, do Ié-Ié, lembrava a inauguração do Apolo 70 e isso trouxe-me á memória o que alguém escreveu, in illo tempore, a propósito do filme que inaugurou o respectivo cinema, hoje já desaparecido: “Tell Them Willie Boy Is Here” (em português “O Vale do Fugitivo”) de Abraham Polonsky, uma das vítimas do tristemente célebre senador Joseph McCarthy e das sua Comissão das Actividades Anti-Americanas. O filme, um clássico do cinema liberal americano ("liberal" na América quer dizer “esquerda”), com um Robert Redford também conhecido pela sua militância, integrava-se naquilo que se convencionou chamar na altura o “anti-western” e a seu propósito – volto ao princípio – alguém escreveu, talvez Lauro António responsável nessa altura pela sua programação, que “os americanos depois de terem filmado o western sob a forma de epopeia tinha finalmente resolvido contar-lhe a história” (cito de, muito longínqua, memória).
Pois foi exactamente isto que me ocorreu quando, ontem, ouvi a notícia sobre o atentado em Timor contra Ramos-Horta: talvez seja tempo para os portugueses, depois de o terem feito sob a forma de epopeia, se dedicarem finalmente a contar de Timor a história. Bom, sobre aqueles a quem tradicionalmente coube o papel de “maus” (a ditadura indonésia de Suharto e a América de Kissinger), já quase tudo foi dito - e não sou eu que vou branquear o seu papel, desiludam-se. Falta talvez agora falar sobre os “bons” e, adoptando o verdadeiro conceito do “anti-western”, interrogarmo-nos sobre a sua bondade efectiva. E aqui cabe fundamentalmente toda uma elite mestiça formada pela potência colonial e a ela, de um ou outro modo, ligada, à qual a integração na Indonésia nada convinha e com a qual, dada a natureza da respectiva ditadura em tempo de Guerra Fria, muito se arriscariam a perder: desde a Igreja Católica, em terreno de maioria muçulmana e que foi cimento da identidade cultural do território, até à elite cultural e estudantil formada nas universidades portuguesas, sonhando com “os amanhãs que cantam”. Pelo meio, e sem menores responsabilidades, fica uma pequena-burguesia de negócios (como os Carrascalão, por exemplo), que se dividiu e hesitou perante a ocupação enquanto media e perspectivava com quem estariam as oportunidades futuras. Defendo assim a integração? Não, principalmente porque a ditadura de Suharto não era “flor que se cheirasse” e mal que se não desejasse apenas ao pior inimigo. Mas convém lembrar que menos de quinze anos antes Goa, Damão e Diu se tinham integrado na União Indiana de forma relativamente indolor. Sim, eu sei que Nehru não era Suharto, a Índia é uma democracia e a conferência de Bandung, ao tempo, “já era”, mas, mesmo assim, talvez existissem alternativas negociadas se os interesses imediatos, os sonhos e falta de bom senso não tivessem prevalecido. Claro, também sei que hoje é fácil falar do assunto e não se pode rescrever a História ou analisá-la na base da conjuntura e relações de forças actuais, mas, por vezes, é preciso que isso se faça para que não se diabolizem só uns e santifiquem (injustamente?) outros tantos. Talvez também aqui tenha chegado o tempo do “anti-western”.
Pois foi exactamente isto que me ocorreu quando, ontem, ouvi a notícia sobre o atentado em Timor contra Ramos-Horta: talvez seja tempo para os portugueses, depois de o terem feito sob a forma de epopeia, se dedicarem finalmente a contar de Timor a história. Bom, sobre aqueles a quem tradicionalmente coube o papel de “maus” (a ditadura indonésia de Suharto e a América de Kissinger), já quase tudo foi dito - e não sou eu que vou branquear o seu papel, desiludam-se. Falta talvez agora falar sobre os “bons” e, adoptando o verdadeiro conceito do “anti-western”, interrogarmo-nos sobre a sua bondade efectiva. E aqui cabe fundamentalmente toda uma elite mestiça formada pela potência colonial e a ela, de um ou outro modo, ligada, à qual a integração na Indonésia nada convinha e com a qual, dada a natureza da respectiva ditadura em tempo de Guerra Fria, muito se arriscariam a perder: desde a Igreja Católica, em terreno de maioria muçulmana e que foi cimento da identidade cultural do território, até à elite cultural e estudantil formada nas universidades portuguesas, sonhando com “os amanhãs que cantam”. Pelo meio, e sem menores responsabilidades, fica uma pequena-burguesia de negócios (como os Carrascalão, por exemplo), que se dividiu e hesitou perante a ocupação enquanto media e perspectivava com quem estariam as oportunidades futuras. Defendo assim a integração? Não, principalmente porque a ditadura de Suharto não era “flor que se cheirasse” e mal que se não desejasse apenas ao pior inimigo. Mas convém lembrar que menos de quinze anos antes Goa, Damão e Diu se tinham integrado na União Indiana de forma relativamente indolor. Sim, eu sei que Nehru não era Suharto, a Índia é uma democracia e a conferência de Bandung, ao tempo, “já era”, mas, mesmo assim, talvez existissem alternativas negociadas se os interesses imediatos, os sonhos e falta de bom senso não tivessem prevalecido. Claro, também sei que hoje é fácil falar do assunto e não se pode rescrever a História ou analisá-la na base da conjuntura e relações de forças actuais, mas, por vezes, é preciso que isso se faça para que não se diabolizem só uns e santifiquem (injustamente?) outros tantos. Talvez também aqui tenha chegado o tempo do “anti-western”.
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