Não acredito que Manuel Alegre ainda não tenha compreendido que a divisão fundamental nas sociedades actuais não é mais entre “esquerda” e “direita”, entre capitalismo e socialismo, mas entre duas concepções antagónicas de organização do estado e dessa sociedade: um modelo aberto e democrático, que só pode basear-se na livre iniciativa capitalista pois é essa a sua essência, aquilo que lhe deu origem e o criou - com gradações que vão desde os ideais ultra-liberais até àqueles que, por colocarem o seu ênfase na protecção do cidadão, poderemos considerar integrados no “modelo social europeu - e um outro essencialmente centrado no “poder do Estado”, que também pela sua própria essência conduz fatalmente a universos concentracionários e conservadores, a sociedades fechadas e repressivas. Longe, muito longe, por inadequados aos tempos que correm e ao mundo actual, vão portanto os tempos do anti-fascismo, das frentes populares e dos programas comuns de esquerda.
Quer isto dizer que, do ponto de vista estrutural, existe uma contradição inultrapassável entre os projectos de sociedade do PS, por um lado, e os do PCP e do Bloco de Esquerda, por outro, o que não impedindo acordos pontuais, por vezes mesmo coincidência de pontos de vista em algumas áreas políticas, põe em causa um caminho comum, uma partilha institucional. Não poderá deixar de ser assim a não ser que se decida abdicar dos princípios fundadores. Já quanto aos partidos considerados á sua direita existirão divergências políticas, aqui e ali mesmo estratégicas, em muitos casos visões e concepções diferentes do mundo em ocasiões em que o dramatismo se acentua, mas, no essencial, na questão-chave, uma coerência e coincidência de pontos de vista quanto aos princípios institucionais definidores.
Claro que Manuel Alegre, que viveu Argel e o Portugal de 75 e fez até hoje da política a sua profissão, conhece tudo isso e mais algumas coisas, todas elas muito bem. Mas também percebeu, ao fazer este seu apelo institucional a uma esquerda tal como ele conservadora, que a situação actual do país e a política que o governo do PS se vê “obrigado” a implementar, com repercussões evidentes nas bases do partido e no seu eleitorado, lhe concede uma “oportunidade de negócio” que não podia deixar indiferente o seu incomensurável "ego". Também sabe, para seu bem e mal de Sócrates, que este, ao ceder à sua chantagem no caso do Ministério da Saúde, não fez mais do que escancarar portas até aí somente entreabertas. Assim sendo, Sócrates terá o que merece. Quanto a ambos, esperando a Alegre não lhe suceda o mesmo que ao sapo, não consigo chegar a perceber se o país mereceria qualquer coisa de melhor.
Eu sou o Gato Maltês, um toque de Espanha e algo de francês. Nascido em Portugal e adoptado inglês.
sábado, fevereiro 16, 2008
Manuel Alegre, o seu "ego" e a sua "oportunidade de negócio"
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