sexta-feira, novembro 16, 2007

"Micas" - ou o Portugal de Salazar

Muito curioso o post de Carlos Abreu Amorim no "Blasfémias" sobre o facto da protégée de Salazar, Maria da Conceição Rita, “nunca ter falado de política com o ditador, não se ter apercebido da campanha de Delgado e não ter a noção da gravidade da guerra em África”. Nada de muito estranho, contudo: no Portugal de então pouco se falava de política, menos ainda nos meios afectos ao regime, muito menos com mulheres e nada com criadas, supondo que “Micas”, apesar de não o ser de facto, teria, vinda de onde veio, um estatuto que não andaria muito longe do reservado ao pessoal doméstico. O próprio facto de ter cursado a escola comercial, em vez do liceu, o confirma, pois esse era, no Portugal classista e de escassa mobilidade social de então, a máxima sorte a que poderia aspirar quem vinha de um meio humilde e conseguia ter acesso a um “padrinho” protector. Nada disto, portanto, individualiza o ditador, serve para dele traçar um perfil específico ou para descobrir paradoxos – nem CAA o afirma, note-se. Mesmo a própria campanha de Delgado, apesar da mobilização popular conseguida, terá passado quase despercebida fora de Lisboa e Porto – e Portugal era então um país rural – e dos meios comunistas e “reviralhistas” republicanos, mais alguns “curiosos” e aderentes tímidos ou mais ou menos tácitos de última hora. Quatro ou cinco mil pessoas nas ruas (ou mesmo 10. 000), pelos padrões de então e riscos que isso comportava (na "baixa" - contam-me - acabou a tiro e a carga da GNR), era uma multidão, os jornais (apenas o “Diário de Lisboa” e o “República” estavam ligados à oposição) eram lidos por uma elite e controlados pela censura e da rádio e televisão nem vale a pena falar.

Quanto ao facto de Maria da Conceição Rita escolher Aristides Sousa Mendes como o segundo “melhor português de sempre”, a seguir a Salazar, nada de especialmente estranho, muito menos paradoxal. Tal como Salazar quando a protegeu a ela, “Micas”, e lhe deu a oportunidade de escapar ao seu destino, também Aristides Sousa Mendes protegeu os mais fracos e necessitados, dando-lhes uma oportunidade de, também eles, escaparem a esse mesmo destino, no caso a morte quase certa nos campos de extermínio. Desconhecedora da política e do mundo (este reduzido "ao seu mundo") ambos, Salazar e Sousa Mendes, para Maria da Conceição Rita foram homens que pautaram a sua vida pela dedicação e bondade, pela devoção a uma causa, pela vontade de abdicarem de si próprios em prol do “bem fazer”. Uma escolha "lógica", portanto!

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