Pedra de toque importante na “civilidade” e qualidade de uma democracia é o modo como actuam e se comportam as suas polícias, a forma como se relacionam e interagem com os cidadãos e a sociedade, como se comportam no cumprimento dos seus deveres de combate à criminalidade e protecção dos cidadãos. O seu grau de profissionalismo e preparação, a adequação, em termos da proporção dos meios empregues, a cada uma das situações que enfrentam. Pela sua própria natureza e registo histórico, principalmente num país de larga tradição autoritária e de grau de educação abaixo de sofrível, a tendência para o autoritarismo, para a assunção fácil de uma política de intimidação e intolerância autistas em vez do objectivo de servir o cidadão, de arrogância para com alguém que até há bem pouco era “um seu igual” na modéstia, ou de vingança perante os que, por nascimento, educação ou dinheiro, sempre se habituou a invejar, são riscos enormes que só uma preparação de qualidade e um rigoroso controle permanente, sem transigências, permitem minimizar. Daí a extrema importância da entrevista ao “Expresso” do Inspector Geral da Administração Interna, Clemente Lima, que reputo de notável como exemplo de cidadania e empenhamento no caminho para um país mais civilizado, uma sociedade mais aberta e tolerante. Está lá tudo o que nos devia preocupar: a existência de uma polícia de carácter militar (para cidadãos de 2ª?) a par de uma outra civil; a desproporção dos meios muitas vezes utilizados contra delitos menores, inclusivamente o uso indiscriminado de armas de fogo; o desrespeito e a desconsideração pelo cidadão; a relativa impunidade dos agentes que prevaricam; o exibicionismo gratuito; os gastos inúteis e a falta de preparação técnica; a mentalidade obsoleta. Por fim, a proposta assumida de um futuro apenas com uma polícia, civil. É uma entrevista contra a corrente, quando o sentimento dominante na sociedade, mesmo dentro de uma esquerda normalmente mais liberal a anti-securitária (daí algum silêncio desta?), é no sentido de um reforço dos métodos e das práticas. Fez bem, o cidadão Clemente Lima: faz-nos acreditar no primado da inteligência e num país ainda com futuro. Respirável. Civilizado.
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