José Pacheco Pereira escreve este sábado no “Público” (reproduzido no “Abrupto”) uma interessante análise sobre os aparelhos dos partidos do chamado “bloco central”, a propósito da crise na Câmara de Lisboa e dos comportamentos e movimentações em curso. Duas notas:
- JPP é um intelectual, um “pensador” da política, um homem culto e informado e, por isso mesmo, que tende naturalmente a ser profundo e a assumir o primado da política (da “luta política” como tantas vezes afirma), da estratégia e não da táctica, da autonomia e não da pertença. Esse é o seu lugar como que “natural”, o que o coloca à partida num campo de antagonismo com aquilo e aqueles que no seu artigo refere. Por isso mesmo, essa sua análise assume também um carácter exorcístico face a uma realidade na qual era um corpo estranho e à qual teria tido dificuldade em se adaptar, que como que o tendia naturalmente a expelir. Basta ler regularmente JPP e ter uma ideia, mesmo que vaga e distanciada, como é o meu caso, de como funcionam as estruturas partidárias locais para perceber o modo como Pacheco Pereira terá sido, durante esses anos, obrigado a lutar num terreno que lhe era desfavorável, onde as suas melhores armas teriam dificuldade em conseguir espaço sequer para se exprimirem, muito menos para se imporem. Ter-se-á exposto assim a uma situação quase surrealista, para si certamente amarga, derrotado ou afastando-se numa luta por lugares de liderança num partido político por via da sua própria superioridade política e intelectual. É como que um contra-senso. Assim sendo, este seu artigo assume um papel também de “ajuste de contas”, não com alguém mas com instituições às quais (e bem) não reconhece “valor”. Também com o seu próprio passado.
- No entanto, penso a análise de JPP poderia ir um pouco mais longe, pois se descreve os factos não se debruça tanto sobre as causas. E essas, penso, mais uma vez não andarão muito longe daquelas que estão ligadas ao atraso português da falta, pouca ou nenhuma autonomia dos indivíduos, empresas e instituições face ao estado, num país com baixas qualificações e uma estrutura empresarial, institucional e individual sem capacidade competitiva suficiente para se tornar mais autónoma. Esse é o drama e o caldo de cultura que ajudou a moldar a personalidade dos portugueses e onde eles, portanto, com maior á vontade se movimentam. Onde vale mais a pequena habilidade do que o rasgo, a dependência e o cinismo do que a autonomia e a livre crítica, o “conhecimento certo” do que o conhecimento tout court, a obediência do que a qualificação, o temor reverencial do que a irreverência necessária, o “mais do mesmo” do que a inovação. Nesse sentido, o que se passa na Câmara de Lisboa, de modo particular com os dois principais partidos, PS e PSD, não é muito diferente do que se passa em outras áreas do país. É mesmo um pouco do seu retrato. Onde JPP não se revê e não gosta de rever o país. Eu também não.
1 comentário:
Mais uma vez, excelente post, JC! Parabéns!
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