Em Portugal, existem algumas profissões que, quer pela natureza da sua função vista como “benemerente” ou “vocacional, quer pelas condições difíceis da sua prática ultrapassaram essa sua qualidade e cujos profissionais adquiriram uma certa áurea mística, quase como que uma “santidade” que não pode, nem deve, ser posta em causa sem que isso aproxime o seu autor da condição de blasfemo, na fronteira das mais graves heresias. Algumas adquiriram mesmo direito a denominações que ultrapassam em muito o seu conteúdo funcional e entraram no campo metafórico, forçando ao nosso respeito reverencial, ao nosso temor perante as forças ditas “indomáveis” que enfrentam. É assim que temos não os pescadores mas os “homens do mar”, não os bombeiros mas os “soldados da paz”, para só citar dois dos casos mais comuns. No entanto, haverá outras que, tão ou mais duras, não adquiriram, talvez por menor exposição pública, direito a esse estatuto e estou a lembrar-me dos trabalhadores das pedreiras, sujeitos em muitos casos a uma vida curta e de pouca qualidade por via das doenças socio-profissionais tão comuns na sua profissão.
No caso dos pescadores (“homens do mar”), a imagem é “forçada” por uma profissão “contra-natura”, exercida no mar quando o homem é um ser ligado à terra, “que lhe deu o sustento com o suor do seu rosto” e lhe permitiu alimentar os seus e os outros. Mais a mais, por via dos “descobrimentos”, toda a nossa História e literatura “maiores” estão prenhes de descrições mitológicas ligando o mar aos desígnios e tragédias nacionais, desde Camões a Pessoa passando pelas descrições quase esquecidas da “História Trágico-Marítima” que tanto impressionaram a minha adolescência. E há ainda a pesca do bacalhau, em tempos uma emigração sem “bidonville” ou país de destino, de regresso anual mas incerto por via “do mar traiçoeiro” - como se dizia -, ou as viúvas do mar da Nazaré, temas tão caros à temática “folclorista” do Secretariado da Propaganda Nacional.
No caso dos bombeiros (“soldados da paz”) a marca do voluntariado, mesmo quando ele não existe, está sempre presente (“abdicam da sua vida para servir a comunidade”), e a tentação de jogar com o contraponto entre a sua organização e estrutura militarizadas e as suas funções ligadas não à morte e à guerra (os arquétipos do mal”) mas ao salvamento de vidas e patrimónios é demasiado grande e está de tal modo inconscientemente enraizada, por repetida até à exaustão, para permitir a emergência de qualquer racionalidade.
Tudo isto prejudica qualquer distanciamento, qualquer análise fria e rigorosa dos acontecimentos que possam envolver a sua actuação. E, no entanto, se a pesca continua a ser uma actividade dura e difícil está hoje em dia longe de ser exercida nas condições do passado, quando os portos eram excepção e as tecnologias e meios de salvamento agora disponíveis apenas ficção. Acresce que são os próprios pescadores frequentemente a arriscar no limite das suas próprias capacidades e ultrapassando o cumprimento das leis, tentando, na vivência desse risco e nessa “finta” legal, esticar proventos tanta vezes escassos por responsabilidades próprias ou alheias.
No caso dos bombeiros, em muitos casos a corrupção e os interesses já há muito parecem ter abandonado o estado de mera suspeita e basta, como eu, ter tido a oportunidade de, aqui há uns anos, conhecer a realidade mais de perto para ter uma percepção fácil e imediata do que pode estar em causa.
São generalizações, sem dúvida. Nem sempre será assim, claro. Mas ignorar estes elementos na nossa análise um perigo que nos conduzirá, inevitavelmente, a conclusões distorcidas e a decisões erradas. A aceitar a demagogia e a ineficiência, enfim!
No caso dos pescadores (“homens do mar”), a imagem é “forçada” por uma profissão “contra-natura”, exercida no mar quando o homem é um ser ligado à terra, “que lhe deu o sustento com o suor do seu rosto” e lhe permitiu alimentar os seus e os outros. Mais a mais, por via dos “descobrimentos”, toda a nossa História e literatura “maiores” estão prenhes de descrições mitológicas ligando o mar aos desígnios e tragédias nacionais, desde Camões a Pessoa passando pelas descrições quase esquecidas da “História Trágico-Marítima” que tanto impressionaram a minha adolescência. E há ainda a pesca do bacalhau, em tempos uma emigração sem “bidonville” ou país de destino, de regresso anual mas incerto por via “do mar traiçoeiro” - como se dizia -, ou as viúvas do mar da Nazaré, temas tão caros à temática “folclorista” do Secretariado da Propaganda Nacional.
No caso dos bombeiros (“soldados da paz”) a marca do voluntariado, mesmo quando ele não existe, está sempre presente (“abdicam da sua vida para servir a comunidade”), e a tentação de jogar com o contraponto entre a sua organização e estrutura militarizadas e as suas funções ligadas não à morte e à guerra (os arquétipos do mal”) mas ao salvamento de vidas e patrimónios é demasiado grande e está de tal modo inconscientemente enraizada, por repetida até à exaustão, para permitir a emergência de qualquer racionalidade.
Tudo isto prejudica qualquer distanciamento, qualquer análise fria e rigorosa dos acontecimentos que possam envolver a sua actuação. E, no entanto, se a pesca continua a ser uma actividade dura e difícil está hoje em dia longe de ser exercida nas condições do passado, quando os portos eram excepção e as tecnologias e meios de salvamento agora disponíveis apenas ficção. Acresce que são os próprios pescadores frequentemente a arriscar no limite das suas próprias capacidades e ultrapassando o cumprimento das leis, tentando, na vivência desse risco e nessa “finta” legal, esticar proventos tanta vezes escassos por responsabilidades próprias ou alheias.
No caso dos bombeiros, em muitos casos a corrupção e os interesses já há muito parecem ter abandonado o estado de mera suspeita e basta, como eu, ter tido a oportunidade de, aqui há uns anos, conhecer a realidade mais de perto para ter uma percepção fácil e imediata do que pode estar em causa.
São generalizações, sem dúvida. Nem sempre será assim, claro. Mas ignorar estes elementos na nossa análise um perigo que nos conduzirá, inevitavelmente, a conclusões distorcidas e a decisões erradas. A aceitar a demagogia e a ineficiência, enfim!
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