terça-feira, janeiro 17, 2012

O Compromisso para o Crescimento, Competitividade e Emprego

Bom, lá gastei algum tempo a ler na íntegra o Compromisso para o Crescimento, Competitividade e Emprego. Nada que requeira demasiada paciência já que, das 51 páginas, grande parte, como é infelizmente norma nos documentos do Estado português, não passa de vagas ou muito vagas manifestação de intenções, cujo conteúdo não requer mais do que uma leitura em diagonal. Então, da parte, digamos, mais "sumarenta", que se pode dizer? Vejamos:
  1. No seu conjunto, desnecessário dizer, repetindo o que os "media " já afirmaram, que se trata de um documento que vai ao encontro dos desejos repetidamente manifestados pelas organizações empresariais e afins (Fórum para a Competitividade, no último caso). No entanto, convém também afirmar que as disposições vertidas no documento não têm todas elas o mesmo "peso" naquilo que se poderia denominar como sendo desfavorável aos trabalhadores.
  2. Assim sendo, é essencialmente na flexibilização dos despedimentos, seu custo para os empregadores e valor e duração dos subsídio de desemprego, bem como na redução do valor pago nas horas extraordinárias, que o documento mais penaliza os trabalhadores, baixando os custos do trabalho e possibilitando ao Estado uma redução nas transferências sociais. Digamos que existe aqui uma modificação que poderíamos denominar como violenta face ao regime que vigorou nos últimos 30 anos, modificação esta que, com tal amplitude, me parece desnecessária e, até, potencialmente geradora de conflitos. 
  3. O regime de "banco de horas", por acordo entre empregador e empregado e que não exceda o limite de duas horas diárias, 50 semanais e 150 anuais, não me parece mais do que passar a letra de lei o que, informal ou formalmente, já se pratica em muitas empresas. Muito francamente, parece-me uma necessidade na organização e funcionamento empresariais dos dias de hoje. Veremos como vai ser aproveitado pelos empregadores e qual a sua capacidade para um entendimento com os trabalhadores. 
  4. A questão dos feriados não merece grandes comentários, já que se trata, fundamentalmente, de uma medida populista. Veremos, isso sim, como funciona a anulação dos dias de férias suplementares concedidos por assiduidade. Com ou sem avaliação do modo como funcionou até aqui, a medida parece-me desnecessária e poderá vir a tornar-se até contraproducente. Já a questão das pontes com desconto nas férias, uma vez que é necessário aos empregador definir no início do ano quais as que irão ser consideradas, permite ao empregado um planeamento atempado das suas férias e à indústria hoteleira não sair demasiado prejudicada pela respectiva anulação. Parece-me razoável, tendo mesmo em atenção que tal já é praticado em várias empresas e mesmo considerando que muitas fecham para férias durante um número de dias determinado no início do ano, "obrigando" assim os seus trabalhadores a gozarem parte das suas férias nesse período.
  5.  Duas questões finais mas importantes:
  • O que foi afirmado inicialmente sobre a possibilidade da Segurança Social pagar ("em determinados casos" - resta saber quais) uma parte do salário de trabalhador que aceite trabalhar por uma retribuição inferior à do subsídio de desemprego encontra-se bastante aligeirado no texto do CCCE. Por um lado o trabalhador não é obrigado a aceitar a proposta; por outro, é obrigatório o pagamento do salário previsto na negociação colectiva. O princípio continua a ser errado, mas com esta formulação parece-me ser mais um nado-morto. Se assim for, felizmente.
  • Parece-me ferida de ilegalidade (até constitucional) a disposição que determina "que a falta injustificada a um ou meio período normal de trabalho diário imediatamente anterior ou posterior a dia de descanso ou a feriado implica a perda de retribuição relativamente aos dias de descanso ou feriados imediatamente anteriores ou posteriores." Então como é? Falta-se um dia e descontam dois? Percebo o racional, na tentativa de evitar os tradicionais abusos, mas parece-me injustificável.
Conclusão? Se, no seu conjunto, o texto do chamado Compromisso para o Crescimento, Competitividade e Emprego de Concertação é francamente desfavorável para os trabalhadores e - opinião pessoal - não me parece contribua, de modo consistente, para o objectivo que o seu título deixa perceber, esse prejuízo distribui-se de modo desigual, sendo que é mais penalizador nas questões relacionadas com a retribuição do trabalho, segurança de emprego e apoio no desemprego do que naquilo que se refere à duração e organização dos seus tempos de descanso. Veremos como funcionará na prática.  

2 comentários:

Anónimo disse...

Caro JC

Vamos ver se quando começar a ser aplicado...ainda existem empresas.

Não há volta a dar...a um atraso de décadas, pelo que subscrevo integralmente a sua opinião de que "não me parece contribua, de modo consistente, para o objectivo que o seu título deixa perceber"

A industrialização não existe...está na china.

Nem o sol que temos, e por enquanto ainda grátis, sabemos aproveitar...desenvolvendo um sector onde poderiamos dar cartas- o turismo.

O desemprego aumenta brutalmente, e falo apenas do que é referido pelos indicadores oficiais...

Pessoalmente creio, apesar de reconhecer a necessidade de adaptação das leis laborais aos tempos modernos, que o problema do país não está aí. Tem-se despedido com facilidade, mesmo com as leis actuais.

A classe empresarial que temos, salvo raras e honrosas excepções, também precisaria de uma reestruturação de alto a baixo.

Continuaremos...alegres e contentes...a caminho do abismo, e não há pasteis de nata que nos salvem.

Cumprimentos

JC disse...

Não seja tão pessimista, meu caro, embora pouco exista para fomentar algum optimismo!
Cumprimentos