Ora vamos lá ver... O Presidente da República, tal como o primeiro-ministro, membros do governo ou altas figuras do Estado, não têm nada que discutir com os jornalistas ou prestar a estes satisfações sobre quanto ganham ou deixam de ganhar: os seus rendimentos são, e muito bem, públicos e estão ao dispor de quem os quiser consultar. Muito menos devem entrar em amena cavaqueira sobre os seus problemas de economia doméstica, ou outros com o mesmo grau de intimidade: ao fazê-lo, estão apenas a demonstrar não estarem à altura dos cargos que ocupam e não entenderem o conteúdo das funções que exercem. Eu próprio, simples cidadão, só discuto ou falo de tais coisas com os meus mais próximos e apenas quando isso se revela absolutamente necessário e incontornável. Portanto, ao aceder a falar com os jornalistas, de modo informal e no final de uma qualquer cerimónia oficial com muitas outras pessoas presentes, sobre este tipo de assuntos, Aníbal Cavaco Silva veio mais uma vez demonstrar não estar à altura do cargo que ocupa, o que, infelizmente, está muito longe de constituir novidade.
A "gaffe" a que tal deu origem...? Bem, digamos que a "gaffe" das "pensões" é apenas consequência disso, de alguém que não está talhado para o cargo que ocupa e tem pouca ou nenhuma noção das conveniências, mesmo das mais prosaicas convenções sociais - e na vida política do casal Cavaco Silva existem um ror delas. Trata-se apenas de um fait-divers"? Sim, mas não "apenas": na política, fait-divers" e actos que podem de início parecer inocentes não raramente têm consequências imprevisíveis e acabam por levar à morte política dos seus autores (convém lembrar que Cavaco Silva demitiu o seu ministro Borrego por uma questão semelhante). Não será o caso, já que Cavaco Silva, mais ou menos "chamuscado", irá sobreviver e terminar o seu mandato. Mas sendo, politicamente e em termos de Estado, um acto que considero menos grave do que o célebre caso das "escutas" (razão para um processo de "impeachment" num país em que estas coisas fossem levadas mais a sério), do facto de ter recebido a oposição madeirense num hotel, desrespeitando gravemente as instituições democráticas, ou de ter aproveitado a sua tomada de posse para, em vez de um discurso de Estado, mostrar os sentimentos mesquinhos que lhe iam na alma e moldam o seu carácter, talvez seja mesmo este "fait-divers" que vai marcar para sempre a opinião negativa que dele irão guardar muitos portugueses. E, embora talvez bem mais por outras razões, bem tem feito por merecê-la, senhor Presidente.
10 comentários:
Post brilhante JC.
A petição já vai em 20 mil assinaturas!
Thanks, Karocha.
hear, hear mr. maltes
T
Thanks.
Finalmente...tenho de dar o braço a torcer...Cavaco excedeu tudo o que seria admissivel em alguém que ocupa o lugar mais alto do estado.
Cumprimentos
E terá excedido só agora?
Cumprimentos
O mais curioso disto tudo é que grande parte - a maioria? - das pessoas que agora se sentem "chocadas" são as mesmas pessoas que ao longo destes anos todos contribuíram para que a personagem Cavaco se mantivesse no poder, são as mesmas pessoas que rejubilaram com o "boneco": pessoa recta, recatada, frugal, de brandos costumes, em tudo parecida a António de Oliveira Salazar.
Estavam à espera de quê?
Pois é verdade, Rato. Tens toda a razão. Como deves saber sendo leitor habitual deste "blogue", eu não gosto da personalidade de Cavaco Silva desde os meus tempos de faculdade (que até foi meu professor e me passou c/ razoável nota). Direi mesmo que é o estilo de pessoa que desprezo.Mas, pior do que isso, como político é uma das maiores fraudes do Portugal dos últimos 2 séculos, isto é, desde a implantação do liberalismo. Finalmente, parece que os portugueses repararam na "nudez do rei". Espero que sim.
O problema é que não é o único que vai nú :)
Talvez, mas é aquele que mais gente pensa vai bem vestido...
Enviar um comentário