Um Portugal-Espanha já não é como antigamente e eu não tenho saudades. E o "antigamente" era o tempo do "hóquei patriótico", em que frente a frente, tal como nos ensinavam (erradamente) na escola com aqueles mapas com bandeirinhas da república portuguesa e da monarquia espanhola a assinalar as batalhas, estavam dois exércitos, como em Aljubarrota ou nos Atoleiros, já não cobertos de poeira e sangue mas de algum suor, outro tanto esforço e muitas lágrimas nas derrotas. De um lado, Zabalia (ou era já o Largo?), Orpinell, Boronat, Puigbó e Roca; do outro, Moreira, Vaz Guedes, Adrião, Velasco e Bouçós, quatro moçambicanos (todos brancos, claro) e um "ricaço" que isso de ter dinheiro para patins e tempo para praticar não era para os "matarruanos" do futebol. Claro que a ditadura salazarista sonegava que a modalidade tinha expressão quase exclusivamente confinada a duas cidades (Lisboa e Barcelona), centros de lazer e veraneio (a "linha" - com Sintra para animar, as praias catalãs, Montreux, Herne Bay e Monza) e o suave viver da Lourenço Marques branca e colonial; mas isso que importava se éramos os "melhores do mundo"?
Bom, entretanto começámos a descobrir que Aljubarrota foi quase uma guerra civil e também pouco mais do que um episódio da Guerra dos Cem Anos, não demasiado diferente de Poitiers, Crécy ou Azincourt; que D. João subiu ao trono por meio de um Golpe de Estado, o rei Filipe II era mesmo o herdeiro legítimo do trono português (era neto do "Venturoso", caramba!) e Espanha até tem um rei que fala português e cresceu e fez velhas amizades por cá. Hoje, Portugal e Espanha partilham a mesma moeda e, em muitos campos, sentem dificuldades idênticas; muitos portugueses trabalham aqui ao lado e muitas das empresas para as quais trabalham, portuguesas ou espanholas, têm a sua sede ou instalações em Madrid ou Barcelona; descobrimos que Catalunha, Galiza e País Basco são nações como Portugal que, ao contrário deste, por vicissitudes históricas não ascenderam à independência e, "last but not least", já não vamos a Espanha apenas para comprar caramelos a Badajoz, nem a maioria dos espanhóis vem a Portugal apenas para comprar café ou roupa de cama. E, claro, "amantes espanholas" são mesmo coisa de histórias contadas à lareira lembrando antepassados alentejanos de há muito. Se virmos bem, na próxima quarta-feira um grupo de amigos e companheiros de trabalho, muitos alinhando em lados opostos aos que costumam ser os seus e reforçados por alguns convidados para dar mais brilho à festa, encontram-se para um jogo de futebol onde vão discutir quem pode vir a ser, desta vez num desporto a sério, o melhor da Europa. Como vêem, esta é uma excelente oportunidade para recordar aqui como todos progredimos. Viva este Portugal-Espanha.
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