Muito se tem discutido, nestes últimos dias, a fraca participação dos portugueses nos referendos, imaginando as mais rebuscadas razões e garantindo as mais do que infalíveis receitas. Ora “ele” é porque a pergunta era complexa, porque o tema dizia pouco aos homens e às mulheres na menopausa, porque chovia, porque estava sol e a praia era uma atracção, porque haveria muitos que não se teriam conseguido decidir, porque, não sei quantos mais, o divórcio dos portugueses da política e etc. A juzante, o voto electrónico é que sim, que iria acabar com a abstenção (o voto electrónico em Casais da Parvónia de Baixo, estão a ver?) e outros disparates no género. Esquecem-se também de que, para muitos, o dia de ir a votos representa um corte na sua monotonia diária, uma oportunidade para algo diferente que não passe por uma ida ao centro de saúde local para queixa das maleitas, muitas vezes imaginárias. O terem de se deslocar para votar pode funcionar como um estímulo, e o não terem necessidade de o fazer poderia acabar por os desinteressar da própria votação. Bom... será preciso ter algum cuidado com as aprendizagens de feitiçaria. Mas será que não ocorreu ainda a ninguém que a elevada abstenção nos referendos nacionais se deve, pura e simplesmente, ao atraso do povo português e à sua menoridade intelectual, coisa que nenhuma electrónica resolve? Expliquemo-nos melhor. Uma coisa é votar em partidos que têm um “chefe”, nacional e/ou local, que tem um rosto, uma personalidade com quem é fácil o “bom povo” identificar-se, simpatizar ou rejeitar por razões a que muitas vezes a política “pura e dura” é quase alheia. Ainda por cima que aparece junto deles e lhes promete ou fala sobre meia dúzia de lugares comuns que todos entendem ou pensam entender. Muitas vezes é como um clube, com um sentimento de pertença, cuja lealdade foi formada e cimentada por muitos e bons anos de convívio, de militância, de partilha de emoções ligadas a campanhas, vitórias e derrotas. Outra, bem diferente, é ser chamado a pronunciar-se sobre questões gerais e abstractas, esporádicas e sem um rosto, que muito do bom povo tem dificuldade em entender ou, quando muito, só entende em ligação com o real e concreto lá do sítio, da sua terra. Talvez por isso o referendo sobre a regionalização tenha sido o que menor abstenção registou (espero ninguém se lembre de desenterrar novamente a ideia), pois era relativamente mais fácil entender o que estava em jogo, serem “eles próprios a mandar” ou “aqueles políticos lá de Lisboa”. Quanto mais gerais e abstractas forem as questões e mais complexos os assuntos e as perguntas a referendar maior tenderá, pois, a ser a abstenção. A questão não é, no fundo, muito diferente da razão pela qual os portugueses têm dificuldades na matemática ou porque, nos ubíquos “fóruns” radiofónicos e televisivos, tendem frequentemente a focar a intervenção no seu caso concreto, que conhecem de perto ou consigo se passou. Em última análise, porque julgam que a pressão no sentido de se referendar o Tratado Constitucional Europeu vem precisamente dos chamados “eurocépticos”?
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