quinta-feira, julho 01, 2010

José Sócrates e a utilização da "golden share"

Ao fazer uso da “golden share” no negócio PT/Telefónica, o governo e José Sócrates piscaram o olho à sua esquerda e à esquerda do seu partido, sabendo que a decisão, a breve prazo, do Tribunal de Justiça da UE tornaria o seu gesto pouco mais do que quixotesco, deste modo salvaguardando o seu tradicional bom relacionamento e “partnership” com alguns dos accionistas.

Espero que daqui a alguns dias, quando, segundo tudo leva a crer, o Tribunal decidir pela ilegitimidade do acto, José Sócrates não caia no erro demagógico de fazer recair sobre Bruxelas os custos de uma eventual impopularidade dessa decisão. Até pode acontecer que, a curto prazo, isso lhe valha alguns votos à esquerda; mas, certamente, com custos acrescidos para o modo como muitos portugueses sentem o projecto europeu como sendo o seu e para aqueles que sempre viram no PS o partido mais consequentemente defensor da ideia de Europa.

É que se demagogia já costuma pagar-se caro, tentar esconder demagogia com igual dose do mesmo veneno corre sérios riscos de se tornar dose mortal.

5 comentários:

Anónimo disse...

Caro JC

Antes de mais, uma menção a título de conflito de interesses:
Não sou detentor de acções da PT. ou da VIVO.
Se o fosse, não duvido que a sua alienação poderia ser aliciante, da mesma forma que o será para o universo dos pequenos accionistas a para quem sobretudo preza o curto prazo.

Posto isto, manifesto a minha surpresa e perplexidade pela vontade maioritária dos accionistas em alienar metade da maior operadora do Brasil, que conta com cerca de 40 milhões de clientes e um ritmo de crescimento de uma TMN por ano, além da exponencial projecção de negócio própria de uma actividade em crescente inovação tecnológica num país cujo crescimento se situa na ordem dos 8%. Seria como vender metade de uma galinha dos ovos de ouro ( só assim se compreende todo o fulgor da aposta da Telefónica).

Depois da VIVO, seguir-se-ão a PT, EDP, GALP, CGD,, etc., presumo que aqui também valem as razões do livre mercado ou livre circulação de capitais num espaço europeu e até global.

Alguém, seriamente, duvida que neste jogo da livre circulação de capitais só podem ganhar as grandes economias ?
Melhor, é um jogo em que os ganhadores já estão determinados e os que querem entrar no jogo, só são aceites para perder.

Porém, vejamos agora as coisas, abandonando por momentos o conceito historicamente situado de livre circulação de capitais, sempre revertível sobretudo se a UE ou a zona €uro vier a fragmentar-se, - cenário que, razoavelmente, não se pode ignorar- , antes usando um critério de mera equidade.

São conhecidos os expedientes, nomeadamente os usados por Espanha e França quando qualquer um deles ou outro, pretende adquirir um interesse relevante num sector importante e sensível para a economia. Existem múltiplos exemplos que seria fastidioso enumerar aqui.

É a própria Telefónica que, rasgando os elementares normas de mercado, utiliza uma realidade que não pode ter outro nome senão chantagem, ao ameaçar vetar dividendos se o parceiro com quem aceitou fazer uma “joint venture” e que tem sido a alma tecnológica activa do projecto, não se submeter à sua pretensão de divórcio litigioso e hostil..

É que as realidades económicas são sempre revertíveis, tal com o historial da própria PT, que já foi uma empresa pública,o demonstra, ao invés, os valores e a equidade são eternos.

No final, perde-se uma oportunidade de um país pequeno ser um actor económico com projecção exterior, nas telecomunicações ou nas petrolíferas, a pretexto de uma livre circulação de capitais, para depois este pretexto ser rasgado com a mesma intensidade com que a Telefónica veta dividendos.

Até lá, os que assim pensam serão demagógicos, populistas, o tudo o que se queira.

A propósito, o que é que aconteceu ao ABN-AMBRO, o primeiro banco holandês, a partir do momento que foi comprado por um banco de uma economia bem mais poderosa ?

JR

JC disse...

Ora bem, meu caro JR. Estou de acordo c/ quase tudo o que diz, não tendo qualquer dúvida sobre o que representa a PT para o Estado português e o seu valor estratégico (bem como o Galp, EDP e etc). Tendo dito isto, se, em virtude desse valor estratégico, o Estado quer ter uma palavra decisiva na empresa (e não sendo um ultra-liberal admito-o perfeitamente), quando da respectiva privatização deveria ter ficado c/ uma parcela do capital que o permitisse. Nada teria a obstar. A "golden share" distorce completamente o mercado (não o corrige - o que eu admitiria - distorce-o) e pode ter repercussões negativas na captação futura de capitais e no relacionamento do estado c/ outros agentes económicos que se têm assumido como parceiros estratégicos em várias áreas dos negócios. É um pouco como comer o bife e continuar a ficar com ele! Se não sendo um ultra liberal (prefiro a palavra ao mtº gasto neo-liberal) admito o papel dos Estados na economia em casos de interesse estratégico e etc, não sendo um nacionalista (mtº longe disso, sou um federalista assumido) nem um estatista, não posso deixar de julgar negativamente esta actuação do governo.
Cumprimentos

JC disse...

Já agora acrescento, uma vez que cita a CGD: ora aqui está. Nada tenho, principalmente na actual conjuntura, contra o facto de o Estado ter um Banco. Sempre defendi a necessidade da presença do Estado na banca por via da "Caixa". Mas é uma situação diferente: não privatizou o seu capital e é legitimamente o dono da empresa. Tudo claro e limpo.

Anónimo disse...

O caso da Volkswagen é bastante revelador do que pode vir a acontecer.

A lei de privatização alemã instituía uma “ golden share” limitando os direitos dos accionistas a 20%, independentemente do valor detido, ou seja, uma minoria de bloqueio permitindo, para todos os efeitos, o veto por parte do Estado alemão ( em tudo resultando como a “golden share” do Estado na PT, agora accionada).

A Comissão Europeia e sobretudo o Tribunal Europeu viriam, peremptoriamente, a pronunciar-se contra a admissibilidade desta minoria de bloqueio, fundamentadas no não menos fundamental princípio na livre circulação de capitais, “tout court” ( não tenho grandes dúvidas que , quanto a Portugal, as decisões serão idênticas).

A Alemanha lá tratou de alterar a lei, escapando assim às multas diárias, porém, ciosa dos seus interesses, fê-lo juridicamente de forma parcial em ordem a frustrar o alcance da decisão do Tribunal, arrogando em sua defesa que o alcance de sentença visava a lei revogada , não a lei nova que, conjugada com outras disposições pré-existentes e intocadas, no seu conjunto, ainda garantiam a sacrossanta e desejada “golden share”, ou seja, o fundamental princípio da livre circulação de capitais que a Alemanha, fundadora do Mercado Comum subscreveu, podia esperar sentado.

E o que fez a Comissão Europeia ?

Limitou-se a processos de intenções, avisando Angela Merkel que podia - poder, pode-se sempre - recorrer ao Tribunal Europeu se esta não voltasse a alterar a lei de forma a sanear, de vez, a “ golden share”.

Ora, chegados ao actual contexto da crise global e do €uro, eis que não se passou nada a não ser que a Alemanha se mantém com uma perna na “golden share” e outra na livre circulação de capitais, não vá o diabo tecè-las.

Já quanto a Portugal, também no contexto da crise global e do €uro, estará este condenado que a PT venda sob a chantagem desse virtuoso exemplo de livre mercado , o veto a dividendos aos accionistas, abrindo o caminho a uma fúria aquisitiva que pode levar ao vazio estratégico de um Estado exíguo sem apelo ou agravo a qualquer subterfúgio à “alemã” ?

Esperemos pelas cenas dos próximos capítulos.

JR

JC disse...

Não sou jurista, caro JR, por isso não domino as minudências jurídicas do caso. Mas que entre iguais há sempre uns que são mais iguais, isso é verdade. Mas é sempre um dado á partida e não são a moral e/ ou a justiça que dominam o mundo...