quinta-feira, dezembro 20, 2007

Em defesa da ASAE

Confluem na contestação à actuação da ASAE – que, claro, como qualquer outra instituição ou entidade não está acima dela, mas cuja crítica se tornou numa moda com alguns laivos de pedantismo – vários grupos e ideologias, mas que podemos sintetizar nas seguintes áreas tipificadas.

À extrema direita, o saudosismo por um Portugal provinciano, de pequenos produtores e comerciantes, de uma ruralidade “salazarenta” que confunde tradição e preservação dos seus valores culturais essenciais com conservadorismo e imobilismo, esquecendo que esses mesmos valores só poderão ser mantidos vivos se e quando se poderem adaptar, sem perderem essa sua essência, ao correr dos tempos e da modernidade. São os saudosos do “pitrolino”, do leite vendido “porta a porta” em bilhas e manuseado e misturado como calha, das casas dos bairros sociais, em Lisboa, com o galinheiro ao fundo do quintal.

Um pouco por todo o lado estão os que fazem do eurocepticismo e do eurocriticismo o seu campo, e onde tudo o que, de modo directo ou longínquo, pode remeter para uma directiva ou sugestão de Bruxelas logo é classificado como filho (ou filha) dilecta e directa de Satanás, ai Jesus que nos despersonalizam. É a área que mais se confunde com um certo “pedantismo” individualista, que durante muitos anos achava que vivia na “piolheira” mas não dispensava uma ida a Paris para o cinema e que hoje contesta a “Europa” como fonte de abastardamento do seu very typical way of living. Um pouco de género: o que é bom é podermos comer uma “sande” de couratos, de preferência com a “barba” mal feita, um caldo verde com azeite adulterado ou de má qualidade numa tasquinha do “bairro” e um caneco de vinho da “pipa” já oxidado, e assim sucessivamente, pois é isso que nos confere individualidade, e depois embasbacarmos perante um Dom Perignon ou um Romanée Conti, feitos com recurso à mais moderna tecnologia do sector, ao mesmo tempo que elogiamos a ginginha vendida em Alfama na noite de Stº António, a pior que já alguma vez bebi. Se querem um exemplo típico deste grupo, ele aqui vai: Mª Filomena Mónica.

Depois, os ultra-liberais, claro, para quem a mínima regulamentação sobre o que quer que seja é vista, de imediato, como um atentado aos direitos e liberdades individuais, desde a obrigatoriedade do uso de cinto de segurança à existência de qualquer legislação sobre o trabalho ou sobre a venda de bolas de berlim com creme nas praias, em caixas sem climatização, à torreira de um sol de 40º. Provavelmente, não se importam de comer couratos com a barba feita pela lâmina que sobrou da higiene diária do dono, ou dona, da roulotte, mas eu importo-me que eles o façam. Acha mal, Helena Matos?

Ah!, e falta alguma esquerda que tem horror a tudo o que é grande indústria e comércio organizados, desde que o estado não seja o dono, sonhando com um país de pequenos e médios empresários tidos como explorados pelo “grande capital” e, de outro modo, pela ASAE, que impede a sua existência, o que uma análise com algum rigor por certo desmentiria e que, verdadeiramente, são aqueles que piores remunerações e condições de trabalho proporcionam aos seus trabalhadores. Claro que saberíamos o que aconteceria a esses pequenos e médios empresários. Ou não?

Nota final: para que não restem dúvidas, gosto da gastronomia tradicional, de vinho, não sou frequentador do McDonald's, bebo ginginha, detesto comida de plástico, não me quero ver obrigado a comer queijo da serra feito com leite pasteurizado (compro frequentemente Camembert e Brie no El Corte Inglés, originais, feitos com leite crú) e sempre comi “bolas de berlim” no Guicho e na Praia Grande. Ah, não fumo, excepto um charuto de vez em quando. Deve ser esse, talvez - o facto de não fumar -, o pecado.

2 comentários:

Ricardo disse...

Nem mais! Pena o seu parágrafo final - onde parece estar já a defender-se de possíveis ataques pelas coisas que escreveu antes. De resto, foi na mouche!

JC disse...

Olhe, caro Ricardo, ainda por cima foi esse parágrafo que foi transcrito no "Público" de hoje. Mas não é uma defesa: é apenas para vincar bem que, defendendo a actividade da ASAE, não sou nenhum asceta. Assim, evito receber determinado tipo de ataques (dos quais já prevejo o estilo e conteúdo), que ficam vazios de sentido!