A RTP apresentou ontem - não sei se em repetição - mais um documentário, com cenas ficcionadas, sobre a morte de Sá Carneiro. Sobre o documentário, acrescento foi mais uma contribuição para a hagiografia do líder fundador do PPD do que propriamente uma peça jornalística interessada em contribuir para a análise e conhecimento mais profundos de um período agitado da vida recente do país. Centrado nos depoimentos dos que lhe são mais próximos, apenas com as excepções de Eanes e Mário Soares, mais adversários conjunturais do que opositores políticos “de fundo”, sem qualquer intervenção de quem se tem dedicado recentemente ao estudo desse período histórico, a peça, nas suas cenas ficcionadas, chega ao cúmulo de nunca mostrar a cara do actor que interpreta Sá Carneiro (foca apenas um seu reflexo no vidro do avião fatal), um pouco como acontecia com Jesus Cristo em algumas produções da Hollywood de antanho. Conversados, pois.
Mas todo este arrazoado serve fundamentalmente de introdução para duas questões de natureza política que, baseando-me numa passagem do documentário, gostaria de salientar: a concepção de democracia de Sá Carneiro e os seus erros políticos. Quando Sá Carneiro, no rescaldo do 25 de Novembro, faz afirmações na RTP implicitamente pedindo a ilegalização do PCP ou, numa interpretação muito minimalista, pelo menos a sua marginalização política, demonstra, em contraste com Melo Antunes, não só uma noção de democracia claramente restritiva (um dos valores fundamentais da sociedade democrática reside em aceitar no seu seio os próprios inimigos), como labora num enorme erro político: sem uma integração do PCP e da esquerda radical, de pleno direito, no Estado democrático, dificilmente o caminho seguido na construção de uma democracia liberal e de uma sociedade aberta e tolerante se teria efectuado sem sobressaltos de maior e sido tão bem sucedido.
Digamos, enfim, que nada disto é novidade. Se no activo de Sá Carneiro se pode contabilizar a sua intervenção na “ala liberal” da ditadura de Caetano (de onde, no entanto, saiu derrotado, note-se) e a coragem da atitude assumida na sua vida pessoal e afectiva, a sua intervenção no chamado “golpe da Manutenção Militar”, o seu apoio declarado ao caudilhismo Spínolista e a candidatura de Soares Carneiro à Presidência da República – para não falar no seu exílio durante o PREC, justificado por questões de saúde – são suficientes para demonstrar a essência do seu projecto político e os demasiados erros cometidos no percurso.
Mas entende-se o objectivo dos seus: tendo chegado tarde à luta democrática e não tendo, por isso, o passado político de luta contra o regime de Soares ou Cunhal (Sá Carneiro nem sequer era a personalidade mais carismática da “ala liberal” caetanista, cedendo o passo a Miller Guerra, Balsemão e Pinto Leite), a infelicidade da sua morte acabou, finalmente, por dar à sua área política a oportunidade de construção do herói e mito de que sempre tinha carecido.
Mas todo este arrazoado serve fundamentalmente de introdução para duas questões de natureza política que, baseando-me numa passagem do documentário, gostaria de salientar: a concepção de democracia de Sá Carneiro e os seus erros políticos. Quando Sá Carneiro, no rescaldo do 25 de Novembro, faz afirmações na RTP implicitamente pedindo a ilegalização do PCP ou, numa interpretação muito minimalista, pelo menos a sua marginalização política, demonstra, em contraste com Melo Antunes, não só uma noção de democracia claramente restritiva (um dos valores fundamentais da sociedade democrática reside em aceitar no seu seio os próprios inimigos), como labora num enorme erro político: sem uma integração do PCP e da esquerda radical, de pleno direito, no Estado democrático, dificilmente o caminho seguido na construção de uma democracia liberal e de uma sociedade aberta e tolerante se teria efectuado sem sobressaltos de maior e sido tão bem sucedido.
Digamos, enfim, que nada disto é novidade. Se no activo de Sá Carneiro se pode contabilizar a sua intervenção na “ala liberal” da ditadura de Caetano (de onde, no entanto, saiu derrotado, note-se) e a coragem da atitude assumida na sua vida pessoal e afectiva, a sua intervenção no chamado “golpe da Manutenção Militar”, o seu apoio declarado ao caudilhismo Spínolista e a candidatura de Soares Carneiro à Presidência da República – para não falar no seu exílio durante o PREC, justificado por questões de saúde – são suficientes para demonstrar a essência do seu projecto político e os demasiados erros cometidos no percurso.
Mas entende-se o objectivo dos seus: tendo chegado tarde à luta democrática e não tendo, por isso, o passado político de luta contra o regime de Soares ou Cunhal (Sá Carneiro nem sequer era a personalidade mais carismática da “ala liberal” caetanista, cedendo o passo a Miller Guerra, Balsemão e Pinto Leite), a infelicidade da sua morte acabou, finalmente, por dar à sua área política a oportunidade de construção do herói e mito de que sempre tinha carecido.
4 comentários:
O seu post é muito bom - sempre que há eleições vem a saga
Obrigado.
A figura de Sá Carneiro é de facto bastante enigmática para quem, como eu, viveu o seu auge e morte com tenr(issim)a idade.
Se, por um lado é, de facto, posto em altar pouco entendível, por outro pouco recordamos de efectivamente bom no seu legado.
é uma dúvida e contradição constante que muito provavelmente poderá ser explicada pelo seu post
Cumprimentos
As coisas raramente são a "preto e branco", caro Pois.E gosto pouco de mitos...
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