Pode um Presidente da República, com os poderes - apesar de reduzidos longe de o tornar num monarca constitucional moderno - que lhe confere a actual constituição e eleito por sufrágio directo e universal, reivindicar-se de ser o “Presidente de todos os portugueses”? Quanto a mim, não pode (direi mesmo que não deve, sob o perigo de paralisia da sua actuação) nem nenhum deles alguma vez o foi: desde os governos de iniciativa presidencial e a tragicomédia do PRD de Eanes, a uma outra tragicomédia das “escutas” e das posições conservadoras em matérias ditas “fracturantes” do actual Presidente, passando pela presidência anti-cavaquista de Soares e pela "dissolução" de Sampaio, os presidentes assumiram sempre um legado ideológico e foram-no sempre, se não de um uma facção contra outra, pelo menos mais de uns do que de outros, isto apesar da tentativa permanente de alargarem a sua base social de apoio principalmente nos primeiros mandatos. A prova disso é, mesmo quando reeleitos por confortáveis maiorias (Soares), nunca os seus adversários terem deixado de obter uma votação relevante.
Então de onde vem essa intenção (chamar-lhe-ia “tentação”), sempre por presidentes manifestada, de se afirmarem “de todos os portugueses"? Bom, em primeiro lugar do legado salazarista (mas também um pouco comunista, valha a verdade) do “consenso”, da “união de todos os portugueses honrados”, do horror à dissidência e ao confronto democrático. Este é, digamos assim, o “caldo de cultura” onde em primeiro lugar medra tal ideia. Mas não só: existe também, nas eleições presidenciais passadas, um momento histórico que lhe deu origem, e para isso devemos reportarmo-nos à eleição de Mário Soares em 1986. Quem viveu esse tempo de dele tem memória, sabe que ele foi talvez o último momento alto de crispação ideológica entre esquerda e direita. Para já, a última eleição em que a esquerda radical, do “poder popular”, apresentou um candidato (Maria de Lurdes Pintasilgo) com perspectivas de atingir uma segunda volta; foi, digamos, em termos eleitorais, o seu canto do cisne. Por outro lado, na “rua”, e isto apesar da moderação do candidato Freitas do Amaral, vivia-se à direita um clima de algum revanchismo, sendo a Presidência da República considerada como o último reduto que impedia a total afirmação política da facção mais direitista e radical dos vencedores do 25 de Novembro. É exactamente nesta conjuntura e para “esvaziar” esse balão de radicalismo, esse ambiente de crispação numa sociedade que preparava, com a adesão à CEE, a total normalização democrática, que Soares, após vencer uma renhida eleição disputada “casa a casa”, afasta qualquer ideia de revanchismo por parte da esquerda vencedora e apela à pacificação entre os portugueses utilizando, pela primeira vez, a expressão “serei o presidente de todos os portugueses”, e afirmando, no seu primeiro discurso após a vitória, “é a vitória da liberdade, é a vitória da tolerância”.
Significa isto que aquilo que, num primeiro momento, continha em si mesmo um valor e um objectivo meramente conjuntural, acabou por se tornar, pela sua repetição em condições já muito diversas, numa frase vazia de sentido, que nada tem a ver com a realidade e com a prática política de quem a profere. Algo que nem mesmo Soares, depois desse primeiro e necessário anúncio de descompressão política, acabou, valha a verdade e ainda bem, por levar muito a sério!
Então de onde vem essa intenção (chamar-lhe-ia “tentação”), sempre por presidentes manifestada, de se afirmarem “de todos os portugueses"? Bom, em primeiro lugar do legado salazarista (mas também um pouco comunista, valha a verdade) do “consenso”, da “união de todos os portugueses honrados”, do horror à dissidência e ao confronto democrático. Este é, digamos assim, o “caldo de cultura” onde em primeiro lugar medra tal ideia. Mas não só: existe também, nas eleições presidenciais passadas, um momento histórico que lhe deu origem, e para isso devemos reportarmo-nos à eleição de Mário Soares em 1986. Quem viveu esse tempo de dele tem memória, sabe que ele foi talvez o último momento alto de crispação ideológica entre esquerda e direita. Para já, a última eleição em que a esquerda radical, do “poder popular”, apresentou um candidato (Maria de Lurdes Pintasilgo) com perspectivas de atingir uma segunda volta; foi, digamos, em termos eleitorais, o seu canto do cisne. Por outro lado, na “rua”, e isto apesar da moderação do candidato Freitas do Amaral, vivia-se à direita um clima de algum revanchismo, sendo a Presidência da República considerada como o último reduto que impedia a total afirmação política da facção mais direitista e radical dos vencedores do 25 de Novembro. É exactamente nesta conjuntura e para “esvaziar” esse balão de radicalismo, esse ambiente de crispação numa sociedade que preparava, com a adesão à CEE, a total normalização democrática, que Soares, após vencer uma renhida eleição disputada “casa a casa”, afasta qualquer ideia de revanchismo por parte da esquerda vencedora e apela à pacificação entre os portugueses utilizando, pela primeira vez, a expressão “serei o presidente de todos os portugueses”, e afirmando, no seu primeiro discurso após a vitória, “é a vitória da liberdade, é a vitória da tolerância”.
Significa isto que aquilo que, num primeiro momento, continha em si mesmo um valor e um objectivo meramente conjuntural, acabou por se tornar, pela sua repetição em condições já muito diversas, numa frase vazia de sentido, que nada tem a ver com a realidade e com a prática política de quem a profere. Algo que nem mesmo Soares, depois desse primeiro e necessário anúncio de descompressão política, acabou, valha a verdade e ainda bem, por levar muito a sério!
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