quinta-feira, abril 16, 2009

LFV, Rui Costa, Quique Flores e o projecto do S. L. Benfica - 3. Quanto tempo para construir uma equipa? Pode este "modelo de jogo" ser ganhador?

Comecemos esta última parte da análise com uma pergunta: quanto tempo demora a construir uma equipa? A interrogação tem razão de ser, já que a tenho encontrado, como crítica a Quique Flores e à demora em o SLB estabilizar o seu modelo de jogo, em diversos artigos, sites, blogs e comentários - de uma ou outra forma, implícita ou explicitamente. Digamos que a resposta é complexa e não existe um tempo nem uma receita determinada. Tudo depende de múltiplos factores, que passam pelo estado da organização/clube, pela sua “cultura”, a sua inércia ganhadora e capacidade de investimento, a pressão dos seus stockholders (accionistas da SAD) e stakeholders (sócios, adeptos), a situação do mercado e dos diversos players (quem domina instâncias como a LPFP, FPF e quem são e como se têm comportado os outros clubes – alguém domina ou esse domínio está repartido?), a cena mediática, o modelo e princípios de jogo dominantes no “mercado” e no clube, pela heritage e tradição, etc, etc.

Tendo em atenção o que acabei de dizer, e pensando agora no caso específico do SLB e do mercado em que actua (o futebol português), penso que dificilmente menos de três a cinco anos, se estivermos a falar de um projecto sustentado e não em algo de casuístico ao estilo do título de 2005, apenas possível em função de circunstâncias dificilmente repetíveis. Em que me baseio? Simples: um dominador incontestável com uma organização sólida e estável (FCP) e que domina ideologicamente o mercado, com uma capacidade de investimento pelo menos não inferior à do SLB e, fruto do domínio dos últimos anos, sofrendo de uma muito menor pressão por parte de accionistas e adeptos, ainda com considerável influência nas estruturas dirigentes, com princípios e um modelo de jogo estabilizado e uma ideologia de suporte (bandeira de uma região com um modo de vida e uma cultura próprias) consistente embora em ligeiro declínio, etc, etc, etc (nesta óptica, acrescente o que achar por bem). Some-se a isto um rival (SCP) que, embora com menor potencial, tem sabido, com inteligência, encontrar a estabilidade e coerência de gestão necessárias, a par de uma estratégia clara de investimento centrada na formação, para lhe proporcionarem nesta década resultados que o SLB já não poderá alcançar. Sabendo que dificilmente poderá liderar, escolheu os seus objectivos com critério e uma estratégia e planos de acção compatíveis com esse desiderato, beneficiando da péssima gestão do SLB.

Mas poderão dizer – e já vi escrito – que Mourinho não precisou de tal tempo para tornar o FC e o Chelsea ganhadores. Ilusão... O projecto do FCP tem trinta anos, e Mourinho apenas lhe levou o “plus” necessário da sua competência e liderança para ganhar a nível europeu. O projecto do Chelsea começou com Abramovich e Ranieri e já tinha valido uma meia-final da Champions League em 2004. Mourinho, tal como aconteceu no FCP, levou o que ainda lhe faltava. Querem outros exemplos, agora com o SLB? Gutmann não teria existido sem o projecto que começou com Otto Glória, de profissionalização do clube, e Eriksson chegou e teve êxito no clube, com todo o seu mérito, quando este ainda mantinha um lastro ganhador e um mínimo de gestão coerente - teve aqui um papel um tanto ou quanto semelhante ao de Mourinho no FCP.

Vejamos ainda outra questão. Nem todos os modelos de jogo requerem o mesmo tempo de adaptação para serem entendidos e assimilados, automatizados por uma equipa, principalmente se vão contra rotinas de muitos anos ou se confrontam com a ausência completa delas. É muito mais fácil e rápido, desde que se disponha de jogadores de habilidade e qualidade técnica de passe e “drible” acima da média, como são os que normalmente actuam no campeonato português, implementar um modelo de posse e circulação de bola, de contenção ou contra-ataque apoiado, de passe de pé para pé e com jogadores e sectores muito próximos uns dos outros, de menor risco de perda de bola e, logo, também de menor risco de emergência de desequilíbrios defensivos, do que um modelo de futebol mais amplo, com jogadores e sectores mais distantes, mais exigente nos seus equilíbrios e compensações, mais físico. Mas, em compensação, no primeiro caso ou temos jogadores de excepção, como é tradicional na selecção brasileira ou no Barça actual, ou é muito mais difícil criar rupturas que permitam marcar golos e ganhar. É, normalmente e com as excepções indicadas, um futebol pouco ganhador, principalmente quando se joga a altíssimo nível, e vejam-se as dificuldades do SCP do “losango” quando compete internacionalmente, do CSKA de Moscovo ao Real Madrid, Barça e Bayern deste ano. Podemos contestar se o modelo que Quique quer implementar no SLB o poderá levar ao sucesso; mas, indiscutivelmente, será – e é, de certeza – de mais difícil e morosa implementação.

Agora a questão principal. Pode, num campeonato em que a maioria das equipas que defronta o SLB joga num “bloco baixo”, num futebol de contenção e contra-ataque apoiado e que privilegia o povoamento do meio-campo, com pseudo avançados muito móveis, o modelo que Quique Flores ter e trazer, a prazo, sucesso ao SLB? Aqui as minhas dúvidas (só isso: dúvidas e não certezas positivas ou negativas), mas não estou nelas sozinho pois já tenho visto o tema por ai glosado e eu próprio, in illo tempore, a isso me referi. Mas essa era a questão-chave a debater quando Rui Costa e LFV optaram pela sua contratação e que terão agora que analisar com o treinador. Com uma pequena chamada de atenção: contrariamente ao que por aí (“A Bola”) já vi escrito, não valerá a pena manter o treinador e “obrigá-lo” a mudar o seu “modelo de jogo” e princípios de gestão; forçá-lo a agir contra as suas convicções, tornando-o num “peixe fora de água”, seria, então, emendar um erro com outro ainda maior. Pequenos ajustamentos são algo que a própria inteligência de Quique saberá ditar; modificações radicais, forçosamente “contra-natura”, acabarão por se chocar contra essa sua própria inteligência e conduzir ambos – Quique e o projecto - ao naufrágio. Veremos o que acontece.

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