Ouvimos frequentemente, aos vários partidos, associações, comentadores, politólogos, “povo da SIC”, etc, etc, que o governo deve falar verdade ao país. Pergunta: pode, e deve, na actual conjuntura, o governo (este ou hipoteticamente um qualquer outro) falar verdade ao país, por muito louvável que isso pudesse ser e por muito que calasse fundo no coração dos portugueses? Vejamos.
A actual crise tem uma enorme componente emocional, de confiança, o que torna extremamente difícil calcular e, principalmente, quantificar reacções. Por alguma razão as emoções, contendo também a sua componente racional, baseiam-se fundamentalmente nos instintos, no irracional. Por outro lado, qualquer previsão e respectiva quantificação tornam-se mais rigorosas quando existe um registo passado fiável, de comportamentos em situações semelhantes, o que está muito longe de ser o caso actual. Parece pois, portanto, que a primeira dificuldade na situação actual consiste exactamente em saber o que é a verdade ou, como diria aquele dirigente futebolístico de má memória (Pimenta Machado), o facto de estarmos exactamente perante um caso típico de que “o que é verdade hoje será mentira amanhã” (ou inversamente, não me lembro).
Posto isto, e partindo do chamado “método de redução ao absurdo” de que é possível aproximarmo-nos (pelo menos isso) da verdade, deve ela ser dita assim, nua e crua? Sem o seu manto diáfano de fantasia?
Bom, como vimos a crise tem na sua componente muito de emocional, de uma crise de confiança. As famílias não consomem temendo o pior, as empresas não investem, produzem e compram menos porque as famílias e as outras empresas consomem menos, admitem assim menos empregados temendo o futuro, o crédito é escasso e o dinheiro não circula porque o sistema financeiro desconfia. Vêm os despedimentos, o lay-off e entra-se num círculo vicioso. Pode, neste quadro, qualquer governo ter um discurso “de verdade” alimentando esta espiral de pessimismo e contribuindo, assim, para o agravamento da crise? Quer-me bem parecer que não; que estará a prestar um mau serviço ao país e será bem melhor moderar optimisticamente, desde que no grau adequado, o seu discurso contribuindo desse modo para o aligeirar das pressões. Falar verdade pode ser socialmente bem visto (será mesmo?), poderá sensibilizar os mais tementes a Deus, as almas piedosas e contribuir para a salvação dos crentes. Mas nem sempre é remédio que aligeire os males ou cure a maleita. Por vezes acontece mesmo o contrário, e a hipotética mezinha tende mais a agravar o padecimento. Estou certo de que mal a situação dê um pequeno sinal de que começa a inverter-se, o governo (este ou qualquer que seja o seguinte) rapidamente tenderá a dizer aos portugueses algo de mais próximo com o que possa ser a verdade, contribuindo assim positivamente para o apressar do fim da crise. Aposto, mesmo, que as previsões mais optimistas tomarão então de si conta, esfuziantes. E ainda bem, porque também então alguma euforia contribuirá para apressar o fim da crise!
Eu sou o Gato Maltês, um toque de Espanha e algo de francês. Nascido em Portugal e adoptado inglês.
quarta-feira, abril 15, 2009
Deve o governo falar verdade ao país?
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