sexta-feira, setembro 26, 2008

Medos...

Na Idade Média, mesmo em tempos mais recentes anteriores ás revoluções burguesas e industriais, temiam-se principalmente a guerra e as fomes, as pestes, muitas vezes associadas ou causa e consequência umas das outras. Ameaças fundamentalmente nascidas e germinadas no interior, quando a noção de país, de pátria pouco ou nada ainda significavam. Pouco a pouco, esses medos, esses temores, à medida que se consolidava essa noção de pertença a uma entidade mítica mas com alguma expressão no dia a dia dos povos (os valores comuns, os modos de vida, a língua-mãe, a identidade) foram sendo substituídos por ameaças, fundamentalmente, com origem no exterior. Primeiro, foi a ocupação por uma potência estrangeira, alguém com valores e um modo de vida diferente e que constituía um travão ao desenvolvimento nacional, submetendo-o aos seus interesses próprios, muitas vezes conduzindo mesmo um povo à quase escravatura. Foi este, por exemplo, o paradigma da ocupação nazi em França ou, até, a situação que esteve na génese das lutas anti-coloniais. Depois, no rescaldo da WWII, quando a ameaça da guerra efectiva foi afastada e esta tomava a forma de “fria” ou de conflitos localizados, foi o medo alienígena, as ameaças marcianas tão bem expressas pelas centenas de filmes temáticos dos anos cinquenta e pela célebre emissão da “Guerra dos Mundos”, que a partir daí passou a ser não de um mas de dois “Wells”. Também, claro, a ameaça do comunismo, que visava alterar o nosso modo de vida: nós, ocidentais que nos guiávamos pela democracia só possível graças á livre iniciativa, ao empreendorismo e às liberdades cívicas. Uma ameaça vinda de uma longínqua Rússia soviética, colectivista, com cumplicidades locais dos que tinham traído a pátria e conspiravam a favor de potências estrangeiras e inimigas que visavam a submissão dos nossos modelos. Hoje, com a UE, a globalização, a abertura dos mercados, a queda do “muro” e com o comunismo, pelo menos na forma que conhecemos, condenado a existir apenas como curiosidade museológica ou quimera vivida por alguns que se deixaram abandonar pela vida - ou a quem essa vida teimou em abandonar - a ameaça “de fora” parece querer continuar bem viva no imaginário e na irracionalidade de muitos. Agora, são as novas formas de criminalidade trazidas pelos imigrantes (e estes que vêm “roubar” o trabalho dos nacionais), a concorrências das lojas chinesas e os perigos que delas e dos seus produtos advêm, as redes pedófilas, de tráfico de mulheres e de prostituição, as máfias internacionais, as directivas de Bruxelas. E o terrorismo, claro. Algumas delas, como o terrorismo, a pedofilia e as máfias, bem verdadeiras; outras, nem por demais evidentes; outras, ainda, fruto apenas da ignorância e da falta de preparação de muitos para as enfrentar e com elas conviver, para se integrarem no mundo das civilizações. “Coisas” novas, com as quais temos ainda dificuldade em lidar; mas nada de novo, na sua essência.

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