Duas reportagens recentes da RTP saúdam-se e demonstram o que pode ser o serviço público de televisão - se é que este, no século XXI, justifica a existência de um canal próprio: as reportagem sobre Cuba e sobre o presidente do FCP. Acrescento que por razões diversas e com qualidade desigual. A primeira, sobre a ditadura cubana, infelizmente demasiado superficial e simplista, a fugir para o panfletário, demasiado ao estilo magazinesco de quem foi de férias e conta aos amigos. Assim, arriscou-se apenas a falar para os que a rejeitam e a repelir os convertidos, que espero sejam já poucos. Poderia ser de outra maneira? Talvez, se Sandra Felgueiras, que “saltita” alegremente entre a assessoria de comunicação de sua mãe e a condição de jornalista da RTP, tal qual “elefante de nenúfar em nenúfar”, revelasse outro estofo cultural, melhor preparação política e maior fôlego jornalístico. Isto, porque é difícil compreender (sem aceitar, esclareça-se) Fídel e a sua ditadura – e o apoio que ainda conseguirá entre o povo cubano – sem perceber o que era a Cuba de Fulgêncio Baptista (mais tarde hóspede da ditadura de Salazar), de “Lucky” Luciano e dos negócios da Mafia (do jogo e da prostituição), a República Dominicana de Rafael Trujillo, as ditaduras sul-americanas e, mais tarde, a Guerra Fria, a crise dos mísseis e a Baía dos Porcos. Foi este o “caldo de cultura” que forjou Fídel e os da Sierra Maestra; foi este caldo de cultura, em conjunto com o exercício totalitário do poder, que forjou o anacronismo actual que é Cuba. Dois momentos, contudo, que valem a reportagem e nos fazem sentir um arrepio na espinha, misto de medo do que poderia ser e de alívio por não o ser, aqui, nas nossas confortáveis democracias ocidentais: o louvor dos pioneiros ao regime e a reunião do comité de bairro da “Defesa da Revolução”. Já temos assistido a inúmeros exemplos mais brutais demonstrativos do que é o totalitarismo. Mas poucos que apresentem a brutalidade do totalitarismo, digamos que, de maneira aparentemente tão “natural” e tão “soft”.
A reportagem sobre o presidente do FCP vale, essencialmente, por uma atitude: finalmente, a RTP decidiu enfrentar aquilo que foi, durante anos, um estado dentro do estado. Não sejamos contudo ingénuos: veio depois de outros, como Rui Rio, terem assumido o pioneirismo, da justiça se ter decidido (?) a enfrentá-lo e das críticas de alguns “compagnons de route” anunciarem, também elas, aquilo que parece ser o fim de um ciclo. Talvez também pelo facto da concorrente SIC se ter assumido como sua tribuna de defesa. A reportagem - ou o programa – é, contudo, muito mais do que isso: também um retrato do arrivismo político, económico e social dos últimos trinta anos, da condescendência com que foi aceite e do proteccionismo que conseguiu obter nas instituições da República, fruto da necessidade de, depois das nacionalizações de 1975 e do exílio do “dinheiro velho”, gerar rapidamente uma burguesia empreendedora que estruturasse e se constituísse na base económica do regime. É este modelo - presidente de clube, Câmara Municipal, empresários da região, conivência dos poderes centrais –, demasiadas vezes apresentado como exemplo por políticos e “media”, que acabou por ser reproduzido e se estruturou em muitas das cidades e vilas de província. As consequências aí estão, no atraso do país e na sua degradação.
A reportagem sobre o presidente do FCP vale, essencialmente, por uma atitude: finalmente, a RTP decidiu enfrentar aquilo que foi, durante anos, um estado dentro do estado. Não sejamos contudo ingénuos: veio depois de outros, como Rui Rio, terem assumido o pioneirismo, da justiça se ter decidido (?) a enfrentá-lo e das críticas de alguns “compagnons de route” anunciarem, também elas, aquilo que parece ser o fim de um ciclo. Talvez também pelo facto da concorrente SIC se ter assumido como sua tribuna de defesa. A reportagem - ou o programa – é, contudo, muito mais do que isso: também um retrato do arrivismo político, económico e social dos últimos trinta anos, da condescendência com que foi aceite e do proteccionismo que conseguiu obter nas instituições da República, fruto da necessidade de, depois das nacionalizações de 1975 e do exílio do “dinheiro velho”, gerar rapidamente uma burguesia empreendedora que estruturasse e se constituísse na base económica do regime. É este modelo - presidente de clube, Câmara Municipal, empresários da região, conivência dos poderes centrais –, demasiadas vezes apresentado como exemplo por políticos e “media”, que acabou por ser reproduzido e se estruturou em muitas das cidades e vilas de província. As consequências aí estão, no atraso do país e na sua degradação.
1 comentário:
Sandra Felgueiras uma das maiores jornalistas que já vi até hoje.... cresce e aparece.. Tens muito que pedalar para igualá-la...
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