Ao optar pela negociação à esquerda, tentando alcançar uma maioria por si liderada da Assembleia da República, António Costa, derrotado nas eleições, está também a lutar pela sua sobrevivência política? Óbvio que sim, e, sendo a natural vocação dos partidos e dos seus líderes ascenderem ao poder, ninguém poderá considerar tal coisa ilegal, ilegítima ou ainda menos uma subversão das regras democráticas. Mas ao fazê-lo, convém também que se diga que António Costa está simultâneamente a lutar pela sobrevivência do PS enquanto grande partido com aspirações de governo e, quiçá mesmo, pela manutenção e alargamento do sistema partidário herdado da revolução de Abril.
Se ao trazer o PCP e o BE para a mesa das negociações (veremos com que sucesso - ou insucesso), Costa está a aprofundar a integração dos dois partidos no jogo institucional e democrático, onde, em certa medida, principalmente o PCP já se podia considerar incluído, ao colocar enormes reticências a um qualquer tipo de acordo à direita, ou mesmo a viabilizar um governo PÁF, o actual secretário-geral do PS tenta evitar aquilo que pareceria muito provável, a prazo, com um acordo deste tipo: com a possível conivência de um Presidente da República oriundo da direita, mesmo de um sempre imprevisível e não demasiado dado a alinhamentos Marcelo Rebelo de Sousa, ter de enfrentar, sob a "velha e relha" alegação das "forças de bloqueio", eleições no prazo de um ano, eleições essas onde o risco da direita alcançar uma maioria absoluta e PCP e BE melhorarem as suas votações, em prejuízo do PS, seria tudo menos negligenciável, podendo, no limite, levar os socialista a uma espécie de "pasokização".
Ok, certo, estamos conversados sobre os perigos do acordo à direita. Mas à esquerda eles não existem, incluído a fragilidade de um governo sem a presença ou o apoio do partido vencedor das eleições? Claro que sim, enormes, e escuso de enumerá-los, embora, no caso de acordo à esquerda, o PCP ofereça sempre garantias que me parece nenhum outro partido do espectro político, de esquerda ou de direita, pode conseguir reunir. Mas neste caso, isto é, no caso de PCP ou BE forçarem uma ruptura, interrompendo a legislatura e obrigando a eleições antecipadas, será António Costa, e não a direita, a poder responsabilizar as forças à sua esquerda, reclamando que só uma maioria absoluta do PS poderá impedir a direita de governar, o que levará a uma concentração dos votos da esquerda no partido, fortalecendo-o.
Digamos que numa posição difícil, politicamente quase insustentável, António Costa, um político experiente, escolhe a que lhe poderá render, a si e ao seu partido (mas também, em certa medida, à sobrevivência do regime tal como o conhecemos), maiores dividendos. Isto, meus senhores, principalmente para os que andavam esquecidos ou nunca souberam o que isso era, é a política. Seja bem-vinda.