domingo, fevereiro 03, 2013

O PS, o "TV Rural" e o "regresso à terra"

A abstenção da direcção da bancada parlamentar do PS na votação da proposta da maioria para o regresso do programa TV Rural à RTP, caucionando, de facto, aquela peregrina ideia de Paulo Portas de pôr a RTP Internacional na dependência do Ministério dos Negócios Estrangeiros, terá sido grave. Mas bem mais grave, e revelando o total desnorte ideológico do partido, terá sido não ter a dupla Seguro/Zorrinho entendido que tal proposta não se limitava a colocar o parlamento como programador da RTP, muito menos estávamos apenas perante uma patetice mais ou menos populista; na realidade, essa proposta contém em si uma enorme carga ideológica, uma certa ideia de "regresso à ruralidade", à "terra", que é um dos pilares em que assenta a actual estratégia de "empobrecimento", sendo que os restantes serão uma significativa redução salarial, a "reindustrialização do país" ("que floresçam mil Sorefames"), a indispensabilidade da emigração, a desregulamentação acentuada do mercado de trabalho e, em certa medida, o "chamamento" daquele elemento mítico da História de Portugal que é o mar. Em última análise, trata-se de um - também ele mitificado, tal como o mar - regresso ao "modelo EFTA" que esteve na origem das elevadas taxas de crescimento do país nos anos 60 do século passado. Só que se passaram 50 anos, a EFTA já não existe (já agora, o "império" também não), Portugal é uma democracia e faz parte da UE e da Zona Euro, a globalização e a liberalização do comércio fizeram o seu caminho e os portugueses evoluíram - e muito, felizmente - na sua formação, aspirações e comportamentos. O problema é que esse tal mito do "regresso" à agricultura e à indústria, pelo menos a essas duas vertentes do passado, faz o seu caminho, mesmo entre muito boa gente que normalmente não vota nos partidos que apoiam o actual governo, e daí a abstenção oportunista da direcção do PS. O melhor exemplo é o do PCP, mas pelo menos esse, propondo o abandono da UE, do Euro e uma certa "albanização" do país, traz alguma coerência ao debate.

Vamos lá ver... Em termos gerais, Portugal não se desindustrializou, nem sequer "abandonou" a agricultura e as pescas, na mira do dinheiro fácil dos fundos estruturais. Portugal reconverteu esses sectores (e o vinho, as frutas, o azeite e o calçado são os exemplos mais frequentemente citados de reconversão bem sucedida - mas há mais), em função de uma nova realidade que colocava outro tipo de problemas de competitividade, bem diferentes daqueles do passado. Nem sempre o terá enfrentado sem erros, nem tal reconversão terá sido sempre bem conseguida. Talvez o país não tenha conseguido gerar, globalmente, um modelo bem sucedido alternativo ao "modelo EFTA". Mas não existe um regresso ao passado; à "terra", ao têxtil do Vale do Ave e à metalomecânica da cintura industrial de Lisboa, e era saber identificar e combater ideologicamente o que se esconde por detrás de propostas na aparência apenas inocentes ou patetas, como a da criação de um programa herdeiro do "TV Rural", a primeira obrigação do PS e da direcção Seguro/Zorrinho.

3 comentários:

Anónimo disse...

Uma desgraça nunca vem só.
À desgraça do governo que temos, ideologicamente o que está a ser feito é exposto de uma forma clara no post, junta-se a desgraça do que se passa no maior partido da oposição.
TóZé é cada vez mais o maior Seguro deste (des)governo.

Cumprimentos

Queirosiano disse...

Não percebo (ou se calhar percebo bem demais)a obsessão com os canais internacionais da RTP, como bandeira de qualquer coisa que não se enxerga e que não se sabe bem o que representa.

Vivendo fora de Portugal, é inevitável que espreite ocasionalmente a RTP Internacional. É de uma indigência desoladora, a lembrar uma sociedade recreativa de bairro (não conheço a RTP África, mas palpita-me que será a mesma coisa com algum paternalismo à mistura). Ou seja, expurgada das produções estrangeiras e reduzida ao que se faz em Portugal, tem-se a noção clara do pouco que vale. Infligir isso aos emigrantes é o mesmo que os considerar atrasados mentais.

Os emigrantes das primeiras gerações fazem uma escolha clara: compram o descodificador da TV Cabo e instalam uma parabólica - ao passar por certos bairros de Paris ou de Londres percebe-se logo que é zona de comunidade portuguesa. Sendo que já vi parabólicas da TV Cabo nos sítios mais inesperados.

As novas gerações têm uma atitude diferente: ignoram. Ou seja, aquilo que devia ser um instrumento de aproximação e de coesão funciona como factor de rejeição.

E continua a afirmar-se solenemente a enorme importância da RTP Internacional.

JC disse...

Como deve calcular, Queirosiano, não vejo a RTP Internacional ou a RTP África. Portanto, não tenho opinião, mas diz-me a minha sensibilidade que v. terá toda a razão. Mas conheço mtº bem a situação que descreve das parabólicas e descodificadores da TV Cabo, mtº por causa da SportTV.