A abstenção da direcção da bancada parlamentar do PS na votação da proposta da maioria para o regresso do programa TV Rural à RTP, caucionando, de facto, aquela peregrina ideia de Paulo Portas de pôr a RTP Internacional na dependência do Ministério dos Negócios Estrangeiros, terá sido grave. Mas bem mais grave, e revelando o total desnorte ideológico do partido, terá sido não ter a dupla Seguro/Zorrinho entendido que tal proposta não se limitava a colocar o parlamento como programador da RTP, muito menos estávamos apenas perante uma patetice mais ou menos populista; na realidade, essa proposta contém em si uma enorme carga ideológica, uma certa ideia de "regresso à ruralidade", à "terra", que é um dos pilares em que assenta a actual estratégia de "empobrecimento", sendo que os restantes serão uma significativa redução salarial, a "reindustrialização do país" ("que floresçam mil Sorefames"), a indispensabilidade da emigração, a desregulamentação acentuada do mercado de trabalho e, em certa medida, o "chamamento" daquele elemento mítico da História de Portugal que é o mar. Em última análise, trata-se de um - também ele mitificado, tal como o mar - regresso ao "modelo EFTA" que esteve na origem das elevadas taxas de crescimento do país nos anos 60 do século passado. Só que se passaram 50 anos, a EFTA já não existe (já agora, o "império" também não), Portugal é uma democracia e faz parte da UE e da Zona Euro, a globalização e a liberalização do comércio fizeram o seu caminho e os portugueses evoluíram - e muito, felizmente - na sua formação, aspirações e comportamentos. O problema é que esse tal mito do "regresso" à agricultura e à indústria, pelo menos a essas duas vertentes do passado, faz o seu caminho, mesmo entre muito boa gente que normalmente não vota nos partidos que apoiam o actual governo, e daí a abstenção oportunista da direcção do PS. O melhor exemplo é o do PCP, mas pelo menos esse, propondo o abandono da UE, do Euro e uma certa "albanização" do país, traz alguma coerência ao debate.
Vamos lá ver... Em termos gerais, Portugal não se desindustrializou, nem sequer "abandonou" a agricultura e as pescas, na mira do dinheiro fácil dos fundos estruturais. Portugal reconverteu esses sectores (e o vinho, as frutas, o azeite e o calçado são os exemplos mais frequentemente citados de reconversão bem sucedida - mas há mais), em função de uma nova realidade que colocava outro tipo de problemas de competitividade, bem diferentes daqueles do passado. Nem sempre o terá enfrentado sem erros, nem tal reconversão terá sido sempre bem conseguida. Talvez o país não tenha conseguido gerar, globalmente, um modelo bem sucedido alternativo ao "modelo EFTA". Mas não existe um regresso ao passado; à "terra", ao têxtil do Vale do Ave e à metalomecânica da cintura industrial de Lisboa, e era saber identificar e combater ideologicamente o que se esconde por detrás de propostas na aparência apenas inocentes ou patetas, como a da criação de um programa herdeiro do "TV Rural", a primeira obrigação do PS e da direcção Seguro/Zorrinho.
3 comentários:
Uma desgraça nunca vem só.
À desgraça do governo que temos, ideologicamente o que está a ser feito é exposto de uma forma clara no post, junta-se a desgraça do que se passa no maior partido da oposição.
TóZé é cada vez mais o maior Seguro deste (des)governo.
Cumprimentos
Não percebo (ou se calhar percebo bem demais)a obsessão com os canais internacionais da RTP, como bandeira de qualquer coisa que não se enxerga e que não se sabe bem o que representa.
Vivendo fora de Portugal, é inevitável que espreite ocasionalmente a RTP Internacional. É de uma indigência desoladora, a lembrar uma sociedade recreativa de bairro (não conheço a RTP África, mas palpita-me que será a mesma coisa com algum paternalismo à mistura). Ou seja, expurgada das produções estrangeiras e reduzida ao que se faz em Portugal, tem-se a noção clara do pouco que vale. Infligir isso aos emigrantes é o mesmo que os considerar atrasados mentais.
Os emigrantes das primeiras gerações fazem uma escolha clara: compram o descodificador da TV Cabo e instalam uma parabólica - ao passar por certos bairros de Paris ou de Londres percebe-se logo que é zona de comunidade portuguesa. Sendo que já vi parabólicas da TV Cabo nos sítios mais inesperados.
As novas gerações têm uma atitude diferente: ignoram. Ou seja, aquilo que devia ser um instrumento de aproximação e de coesão funciona como factor de rejeição.
E continua a afirmar-se solenemente a enorme importância da RTP Internacional.
Como deve calcular, Queirosiano, não vejo a RTP Internacional ou a RTP África. Portanto, não tenho opinião, mas diz-me a minha sensibilidade que v. terá toda a razão. Mas conheço mtº bem a situação que descreve das parabólicas e descodificadores da TV Cabo, mtº por causa da SportTV.
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