quinta-feira, dezembro 22, 2011

O aumento do tempo de trabalho e a estratégia de "empobrecimento"

Ponto prévio: "produtividade" define-se, basicamente e sem querer estar a ser demasiado rigoroso, como a quantidade produzida por unidade de tempo. Portanto, quando falamos do aumento de tempo de trabalho, mesmo que sem remuneração, podemos estar a falar de muitas e variadas coisas, mas nunca de produtividade.

Ok, tendo dito isto, não me parece que, no caso português, o aumento do tempo de trabalho não remunerado que resulta da supressão de alguns feriados, da 1/2 hora de "trabalho para a nação", de qualquer redução dos dias de férias, etc, na prática, reduzindo os salários, o valor hora/homem, tenha, salvo excepções muito pontuais, qualquer impacto directo e significativo na "competitividade" (e não na "produtividade") do país, num mundo globalizado e numa conjuntura recessiva. Escuso-me de entrar em grandes explicações, pois elas estão disponíveis (ver, por exemplo, o que se escreveu e disse sobre a TSU) e têm sido dadas pelos poucos que, neste país, ainda insistem em pensar autonomamente.

Então, se assim é, porque se insiste? Sem dúvida nenhuma por uma questão puramente ideológica, tendo como função criar o ambiente, o "caldo de cultura" que torne mais fácil a aceitação por uma maioria dos cidadãos da estratégia governamental "de empobrecimento", o que pressupõe uma forte desvalorização do factor trabalho e uma alteração radical da relação empregador/empregado num sentido mais favorável ao primeiro. Aliás, basta estar atento ao modo como Pedro Ferraz da Costa, o mais ideológico dos representantes, mesmo que inorgânico (ou talvez por isso mesmo...), das associações empresariais, se tem batido "à outrance" por medidas desse tipo mesmo que por vezes em discordância com as direcções respectivas.

Resumindo e concluindo: a tal competitividade do país só poderá aumentar, de modo significativo, por via do aumento da produtividade, e embora tal possa pressupor alguns ajustamentos nas relações de trabalho e, em alguns casos, uma sua maior flexibilização (olhai para a AutoEuropa, senhores), está longe, muito longe de ter algo a ver com o aumento do tempo de trabalho e a forte desvalorização salarial que isso implica. 

2 comentários:

Tiago disse...

Post excelente e claro, como quase sempre. Também me parece que o caldo de cultura que se está a preparar é de facto ideológico, com vista a um "empobrecimento" e amortecedor de mais medidas pouco equitativas ou pouco relevantes para um aumento da competitividade, ou da produtividade, já para não falar de desenvolvimento económico do pais.
Acerca da produtividade, creio que é relevante perceber também que sem uma estrutura produtiva bem qualificada, em termos de recursos humanos, será muito complicado recuperar económicamente e aproximarmo-nos de uma média europeia, por exemplo.
E Portugal, apesar de ter dado passos importantes na qualificação de RH, continua com uma das mais altas taxas de abandono escolar europeias e muitos dos quadros universitários abandonam o país para países com condições para investigar e trabalhar, depois do investimento feito pelo país na sua formação. Paradoxo? Creio que é simplesmente má gestão e falta de uma estratégia nacional...

JC disse...

Nada a acrescentar, a não ser que gosto sempre de ter ver por aqui.