Já aqui tive oportunidade de explicar o que penso sobre o caso José Sócrates e que pode resumir-se nisto, utilizando apenas os dados incontroversos que são as declarações do próprio e fazendo orelhas moucas a tudo o resto que não me merece qualquer credibilidade: um primeiro-ministro (actual ou passado) não pode pedir dinheiro emprestado (grandes quantias, claro) a um amigo cuja empresa foi grande fornecedora do Estado (ou aceitar qualquer espécie de "favores" relevantes, acrescente-se) sem ferir gravemente a chamada ética republicana, o que, em minha opinião, é suficiente para pôr termo à sua carreira política. Sobre o resto, ou seja, as eventuais responsabilidades criminais de José Sócrates, não tenho convicções, embora tenha formado a minha opinião em termos muito gerais e sempre em função também das afirmações do ex-primeiro-ministro. Mandam a presunção de inocência e, tanto ou mais do que isso, o decoro e a sensatez que a reserve para conversas entre os amigos e familiares mais próximos.
Tendo dito isto, e perante
este título do "Expresso", pergunto: mas por que raio José Sócrates ou qualquer outro cidadão devem dar explicações públicas sobre o seu "estilo de vida", desde que este não infrinja a lei (e, neste caso, não existem provas o tenha feito)? Pior, muito pior, do que a "coscuvilhice" invocada por José Sócrates, estamos perante uma invasão intolerável da vida privada de alguém e, claro está, perante um atentado violador da liberdade individual de um cidadão; uma espécie de totalitarismo ou fascismo repugnantes "zeladores" dos comportamentos sociais. E se o ex-primeiro-ministro, um pouco à imagem de gerações de antanho, tinha "uma senhora que o pôs por conta" e cuja identidade não pode revelar? Alguém, fora dos directamente atingidos na sua esfera privada, tem alguma coisa com isso?
Repito: podemos pensar o que quisermos e nos apetecer sobre a actuação de José Sócrates como político, cidadão e primeiro-ministro. Podemos mesmo ter opinião formada e convicções sobre a sua responsabilidade criminal. Mas ao sugerirmos que alguém, mesmo um ex-primeiro-ministro, deva ter por obrigação dar explicações públicas sobre os seus gastos pessoais e a natureza da sua vida privada é, pura e simplesmente, intolerável.