Em qualquer sociedade democrática - diz-nos a História -, quando perante uma situação de crise, a tendência é para restringir, amputar ou anular a democracia. No Portugal do século XIX, tal como aconteceu no reinado de D. Carlos I, fechava-se o parlamento e, por um período determinado de tempo, governava-se "em ditadura", isto é, através de decretos governamentais, mantendo-se no essencial as liberdades, nos limites aceitáveis para a época, e a existência de partidos políticos. Já no século XX, para além do golpe militar de Maio, onde, no seu início e antes de uma clarificação de forças entre as facções aderentes, ainda não era claro se estaríamos perante mais uma tentativa de governar em ditadura durante um relativamente curto período de tempo ou, como veio depois a verificar-se, algo mais vasto e radical, tivemos o presidencialismo "sidonista" e o seu "bonapartismo" (que mais tarde Spínola tentará reencarnar) tão bem expresso na frase grandiloquente, verdadeira ou falsa, que ficou como seu epitáfio: "fico bem, salvem a pátria". Adiante...
Nos últimos tempos, em Portugal essa tendência para mitigar a democracia têm-se manifestado fundamentalmente através daquilo que poderíamos chamar de apelo a um consenso que de tenha como denominador comum, com pequenas "nuances", a política de "empobrecimento", e que se expressa no "conceito Ford T", isto é, pode escolher qualquer cor desde que seja preto". Agora, Rui Vilar, que não é apenas um tecnocrata mas também um político experiente, vem ressuscitar a "velha e relha" presidencialização do regime, que nos últimos tempos parecia adormecida ou pelo menos colocada em "banho-maria", o que nas circunstâncias actuais significaria sempre uma maior "musculação" do regime e traduzir-se-ia em alguma castração democrática, fosse por via da tentativa de eleição um presidente comum ao chamado "arco da governação", quer, o que não estaria totalmente excluído, a eleição de uma qualquer personalidade populista anti-partidos, reivindicando-se dos "valores morais", ou, em alternativa, embora mais remotamente, de alguém que encarnasse os "verdadeiros valores de Abril".
Sejamos claros: na impossibilidade, nos tempos actuais e com o caldo de cultura" existente, de caminharmos para a parlamentarização do regime, melhor para a democracia que se deixem as coisas como estão. É que, em função da História de Portugal dos dois últimos séculos e perante estas tentativas e sugestões vindas de quem verdadeiramente não se identifica com a democracia liberal e representativa, apetece-me mesmo citar Marx e o seu "O 18 de Brumário de Luís Bonaparte": "a História repete-se, a primeira vez como tragédia e a segunda como farsa".
Sem comentários:
Enviar um comentário