A contratação de Scolari, como antes disso a de Humberto Coelho, insere-se numa tentativa de mudança nesta luta pelo domínio da selecção e da FPF (lembram-se da candidatura de Artur Jorge?) quando os ventos começavam a soprar diferentemente, o Sporting tinha dito, de uma vez por todas, adeus ao populismo que marcou a sua gestão durante anos, o Benfica começava, mesmo que por maus caminhos, a “mexer-se” e a região norte via definhar a sua importância política e económica. Humberto Coelho veio cedo demais; Scolari em altura mais certa e, além de ter sido campeão do mundo, tinha atrás de si a força de multinacionais como a Nike e de patrocinadores importantes, o que enfraquecia a posição negocial de Joaquim Oliveira.
A sua nomeação (de Scolari) correspondeu a um autêntico golpe de estado legal dentro da FPF e Scolari, percebendo-o, assumiu-o de forma exemplar com o afastamento de Vítor Baía, assim indicado urbi et orbi como o representante da facção perdedora dentro da selecção e do seu grupo de jogadores. Foi um aviso do tipo “I don’t take prisioners”!, e o afrontamento directo a quem tinha perdido o poder, seguindo-se-lhe, depois disso, algumas entrevistas destinadas a fazer entender de que lado estava, quem seriam os seus inimigos e quais os seus aliados. Foi esta sua atitude que lhe permitiu grangear as primeiras simpatias, fora do núcleo duro dos adeptos do FCP, e foi ela, já então misturada com laivos de um populismo terceiro-mundista, a semente da empatia e mobilização que mais tarde viria a conseguir com o público português.
(Um avanço no tempo para verificar que, neste cenário, surgirá mais tarde um imprevisto: o FCP de José Mourinho vence a taça UEFA e sagra-se campeão europeu, fortalecendo a posição do poder deposto. Scolari, sem alternativa e correndo o risco de sair sem glória, muda a equipa em pleno europeu, com isso conseguindo manter a empatia a sul conquistando apoios a norte – ou pelo menos retirando-lhes alguns argumentos de contestação.)
Voltando atrás, esta questão arrumada - pese embora o ruído de fundo vindo de muitos jornalistas pouco preparados, outros pouco inteligentes, ainda outros tantos porta-vozes de alguns interesses, bem como de alguns comentadores confortáveis no papel de idiotas úteis -, haveria que dar lugar ao futebol. Mas, sem isso certamente não haveria futebol, tal como pouco tinha existido nos anos anteriores.
Scolari tem então quase dois anos para preparar um grupo para disputar a fase final do Euro 2004 e mostra desde logo o seu melhor e o seu pior:
- Uma grande capacidade para formar e liderar o seu grupo; uma total impermeabilidade às influências de terceiros e a percepção de que, no futebol actual, nenhuma selecção pode ter êxito sem princípios e um modelo e jogo definidos, o que é incompatível com a entrada e saída permanente de jogadores sem que se tenha em conta o colectivo onde se vão inserir. Digamos que, no estado de então das selecções, não era qualidade de somenos.
- Passividade na aceitação de um modelo de jogo herdado do passado e falta de rigor na perspectivação do jogo seguinte; e, logo, deficiente preparação e pouca flexibilidade na sua abordagem, para além de um conservadorismo extremo levando a sua lógica de decisões para além do minimamente defensável.
Disse então entre o meu círculo de amigos ligados a estas coisas do futebol que, indo a selecção portuguesa disputar a fase final do Europeu em casa - onde seria, logicamente uma das favoritas - tendo de defrontar equipas que se iriam fechar na defensiva, a primeira coisa a fazer, e já que o tempo disponível constituía para isso uma oportunidade única, seria mudar o modelo de jogo da selecção - uma equipa tradicionalmente “de espera” e de contra-ataque com problemas quando tinha de jogar em “ataque continuado” - pois, caso não o fizesse, iria sentir dificuldades quando “provasse do seu próprio veneno”. Scolari não o fez, acomodou-se, e perdeu duas vezes com a Grécia, falhando a conquista do Europeu. (continua)
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