É pois a adopção de um modelo de jogo inadequado (post anterior) a quem tem de disputar uma fase final em casa que, em minha opinião, deve ser responsabilizada pela derrota nos dois jogos contra a Grécia e pela não obtenção do título. Mais ainda, esses jogos são mal preparados e esse modelo de jogo não consegue “integrar” Pauleta, o único “ponta de lança” com provas dadas, parecendo sempre este jogador um corpo estranho na equipa, o que será ainda mais evidente no Mundial de 2006. Mas é também a organização, independência, sentido de grupo, disciplina e liderança que Scolari traz à selecção, a convocação de jogadores experimentados e pertencentes a grandes clubes europeus acabando com os Kenedys, Porfírios ou um Paulo Sousa lesionado e em fim de prazo de validade, que está na base de uma carreira até à final, da ultrapassagem do percalço do jogo inicial com a Grécia e, mesmo, da resolução do bloqueio que constituía para as equipas portuguesas o desempate por penalties. Scolari no seu pior e no seu melhor, portanto: nem deus nem demónio. Melhor, Scolari, brasileiro, consegue uma mobilização popular nunca antes vista, aproveitando um povo em crise de identidade e que tem dificuldade em se reconhecer nos valores de um cosmopolitismo europeu trinta anos depois da perda do império do qual esse Brasil e os trópicos, a sua cultura e way of living, eram parte integrante e importante. É essa mobilização que permite “esquecer” a derrota na final e os erros cometidos. É essa identificação popular, esse “peronismo” na periferia europeia, que permite que o povo esqueça algo que em Portugal é normalmente imperdoável – que o diga José Mourinho –: a arrogância, categoria na qual os portugueses classificam quem tem ideias e convicções, luta por elas, não muda por “obra e graça” de qualquer fortuito golpe de vento, só o faz quando convicto do erro e não tem paciência para o disparate alheio. Mas enquanto em José Mourinho (um produto da universidade) essa dita “arrogância” se afirma com o seu quê de aristocrático e distante, ao mesmo tempo que pretende juntar-lhe o glamour de um James Bond, de única ou estrela maior de um grupo (com ele nunca se confundindo), Scolari é o sargento de um filme de Samuel Fuller, aquele que está próximo do povo, dos seus homens, a quem estes respeitam e seguem por lhe conhecerem as origens, com ele partilhando os perigos e junto dele se sentindo mais seguros no combate. Mourinho nunca teria mandado colocar bandeiras nas janelas e teria resguardado o seu grupo daquela caminhada de Alcochete para o Estádio da Luz. Eventualmente, teria ganho à Grécia, mas ninguém lhe perdoaria se o não fizesse. Teria chegado tão longe, até à final?
A fase de apuramento para o Mundial de 2006, num grupo fácil mas com uma abordagem globalmente correcta da parte do seleccionador, tem pouca história para contar. Um ponto alto – a goleada à Rússia – e um empate no Lichtenstein, percalço sem significado de maior, são os acontecimentos que fogem ao normal fluir das coisas. Algo, quanto a mim, daquilo que viria a ensombrar o futuro é já, aqui e ali, visível. No campo, e no jogo da Eslováquia, a dificuldade da equipa para controlar o jogo quando é dominada (controle e domínio são coisas diferentes), defendendo demasiado baixo com os médios encostados à defesa, principalmente contra adversários de elevado poder físico-atlético, rápidos e fisicamente poderosos como era o caso. Fora dele, no caso do convite da Football Association, Scolari revela-se pouco cuidadoso no controle das suas emoções, na gestão do seu comportamento e da sua relação com a entidade patronal (FPF), causando a esta visíveis embaraços. E quando afronta alguns dos seus críticos mais acérrimos (Rui Santos – testa de ferro de Carlos Queiroz - António Pedro Vasconcelos, etc), alguns revelando comportamentos nas margens da xenofobia ou da idiotice “pura e dura” (há quem chegue a levantar a questão de um estágio no calor do Alentejo, quando se sabe que no centro da Europa Junho/Julho são normalmente meses bastante quentes, como se veio a verificar), em vez de optar por um tom distanciado e superior – talvez didáctico ou até sobranceiro, como seria mais indicado -, responde desabrida e malcriadamente. Mas, lá está, nem deus nem diabo, gere correctamente as pressões para convocar Quaresma (que estava longe da maturidade e de ser um indiscutível), aproveitando, mais uma vez, para demonstrar aos derrotados a sua condição, e constitui um grupo para enfrentar a fase final de gente internacionalmente experiente, com “escola” e traquejo nas grandes competições europeias, mostrando que a fase final de um Campeonato do Mundo não é um passeio ou uma feira de vaidades. É essa experiência de sargento calejado no terreno e no combate que lhe permite conhecer que quem joga bem e deslumbra raramente chega longe, optando pelo útil em detrimento do espectáculo. Chega ao 4º lugar e dificilmente poderia chegar mais longe: faltam-lhe um ponta de lança (uma vez mais não consegue “integrar” quem joga por contraste: Pauleta, um jogador de último toque, e Luís Boa-Morte, com o seu futebol físico e directo), algum poder e frescura físicas e um modelo de jogo ganhador, que não seja o dos excelente vencidos. É a glória! (continua)
A fase de apuramento para o Mundial de 2006, num grupo fácil mas com uma abordagem globalmente correcta da parte do seleccionador, tem pouca história para contar. Um ponto alto – a goleada à Rússia – e um empate no Lichtenstein, percalço sem significado de maior, são os acontecimentos que fogem ao normal fluir das coisas. Algo, quanto a mim, daquilo que viria a ensombrar o futuro é já, aqui e ali, visível. No campo, e no jogo da Eslováquia, a dificuldade da equipa para controlar o jogo quando é dominada (controle e domínio são coisas diferentes), defendendo demasiado baixo com os médios encostados à defesa, principalmente contra adversários de elevado poder físico-atlético, rápidos e fisicamente poderosos como era o caso. Fora dele, no caso do convite da Football Association, Scolari revela-se pouco cuidadoso no controle das suas emoções, na gestão do seu comportamento e da sua relação com a entidade patronal (FPF), causando a esta visíveis embaraços. E quando afronta alguns dos seus críticos mais acérrimos (Rui Santos – testa de ferro de Carlos Queiroz - António Pedro Vasconcelos, etc), alguns revelando comportamentos nas margens da xenofobia ou da idiotice “pura e dura” (há quem chegue a levantar a questão de um estágio no calor do Alentejo, quando se sabe que no centro da Europa Junho/Julho são normalmente meses bastante quentes, como se veio a verificar), em vez de optar por um tom distanciado e superior – talvez didáctico ou até sobranceiro, como seria mais indicado -, responde desabrida e malcriadamente. Mas, lá está, nem deus nem diabo, gere correctamente as pressões para convocar Quaresma (que estava longe da maturidade e de ser um indiscutível), aproveitando, mais uma vez, para demonstrar aos derrotados a sua condição, e constitui um grupo para enfrentar a fase final de gente internacionalmente experiente, com “escola” e traquejo nas grandes competições europeias, mostrando que a fase final de um Campeonato do Mundo não é um passeio ou uma feira de vaidades. É essa experiência de sargento calejado no terreno e no combate que lhe permite conhecer que quem joga bem e deslumbra raramente chega longe, optando pelo útil em detrimento do espectáculo. Chega ao 4º lugar e dificilmente poderia chegar mais longe: faltam-lhe um ponta de lança (uma vez mais não consegue “integrar” quem joga por contraste: Pauleta, um jogador de último toque, e Luís Boa-Morte, com o seu futebol físico e directo), algum poder e frescura físicas e um modelo de jogo ganhador, que não seja o dos excelente vencidos. É a glória! (continua)
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